A soldado do Corpo de Bombeiros do Paraná, Lilian Vilas Boas, 32 anos, foi punida com oito dias de prisão no quartel da corporação por ter participado de um ensaio fotográfico, que visava o empoderamento das mulheres. A pena não foi aplicada porque ainda cabe um recurso. O resultado do formulário de apuração por transgressão disciplinar – nome do procedimento investigatório – foi publicado no boletim interno dos bombeiros na última sexta-feira (22).
A punição menciona que a bombeira infringiu artigos do Regulamento de Ética da Polícia Militar (PM), o Regime Disciplinar do Exército (RDE), e o do Código da PM. Em resumo, as fotos, na visão da instituição, teriam causado desgaste à imagem da corporação, ferindo a honra dos bombeiros.
Parte do ensaio era sensual e mostrava os seios de Lilian – e foram essas as imagens que causaram a polêmica. De acordo com o fotógrafo, Arnaldo Belotto, responsável pelo ensaio, as fotos foram feitas no começo deste ano, após uma amiga da bombeira também participar. “O objetivo do projeto é o empoderamento feminino, mostrar as mulheres sem tratamento de imagem, do jeito que elas são”, contou o fotógrafo.
Em uma conversa informal com ele, Lilian topou participar do ensaio, mas impôs uma condição que foi cumprida à risca pelo fotógrafo. As imagens não deveriam ter nenhuma relação com a corporação onde trabalha. E assim aconteceu. Mesmo com o cuidado de não expor a corporação, Lilian foi punida em razão de ter cometido uma transgressão considerada “média” pela corporação. Algumas pessoas próximas à Lilian protestaram pela decisão dos bombeiros em punir a soldado.
Durante o procedimento que apurou o caso dentro do 7º Grupamento do Corpo de Bombeiros de Curitiba – unidade em que Lilian está lotada, no bairro Alto da XV –, Belotto foi depor duas vezes.
“Se você procurar nas redes sociais há muitos militares homens que postam fotos sem camisa e com parte da farda, como calça ou shorts e, claro, nunca tiveram problema, mas o pior é que são as mulheres da corporação que estão cobrando punição à Lilian”, disse uma pessoa próxima da bombeira, que preferiu não ter o nome revelado. Uma tenente foi quem levou a documentação inicial que embasou a apuração.
Lilian foi procurada, mas não quis conversar com a reportagem da Gazeta do Povo sobre o assunto. O setor de relações públicas do Corpo de Bombeiros foi procurado e, por meio da assessoria da Secretaria da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp), solicitou que a reportagem procurasse o comando da unidade onde Lilian trabalha. A reportagem telefonou para o 7.º Grupamento no começo da tarde desta terça-feira, mas ninguém atendeu.
A Polícia Militar divulgou nota na noite desta terça e afirmou que não pode emitir juízo prévio e que, se houver recurso, os comandos da PM e do Corpo de Bombeiros irão reavaliar o caso.
Confira a nota na íntegra: “O exercício do poder disciplinar da origem e da solução final do procedimento em relação à bombeira citada se deu no âmbito do 7º Grupamento do Bombeiro, por isso o Comando do Corpo de Bombeiros e o Comando Geral da Polícia Militar do Paraná, se instados em grau de recurso, farão a reavaliação sob todas as óticas, seja dos fundamentos da punição ou em relação às suas circunstâncias e dosimetria da pena. Tanto o Comando do Corpo de Bombeiros quanto o Comando Geral da Polícia Militar do Paraná não podem emitir juízo de valor prévio, pois em algum momento podem ser provocados em grau de recurso”.
Incoerência da corporação
O grupamento onde Lilian trabalha sofreu com uma série de problemas estruturais recentemente. Segundo o jornal Tribuna do Paraná, em junho deste ano, a unidade trabalhou somente com uma viatura para atender toda região norte da capital (Santa Felicidade, Pilarzinho, Bairro Alto, Alto da XV), além de municípios da região metropolitana, como Colombo e Campo Largo.
Para o presidente da União dos Praças do Corpo de Bombeiros do Paraná (UPCB), Henri Francis, a decisão da apuração foi equivocada porque todo servidor dos bombeiros, mesmo militar, tem o direito constitucional de se manifestar. “No nosso entendimento não houve exposição da instituição”, afirmou.
Segundo ele, punir Lilian é injusto. “Estão preocupados com a imagem da corporação, mas dão oito dias de prisão em razão de foto e deixam população de metade da cidade sem atendimento do Siate porque as viaturas estavam em manutenção em junho”, afirmou Francis.
Francis afirmou que a profissional está sendo punida duas vezes, já que não têm condições de trabalho adequado. “Ela é submetida a um regulamento extremamente rígido e é deixada sem a mínima condição de trabalho. O profissional é tolhido de direitos básicos, como o direito a livre manifestação, como a Lilian, que dizia respeito à vida dela e não afetaria em nada o bombeiro”, explicou.
Machismo causou decisão injusta, aponta especialista
Na opinião da consultora da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero (Cevige), da seção paranaense da OAB, Vanessa Fogaça Prateano, a punição aplicada a Lilian é reflexo do machismo e das relações desiguais de gênero, presentes não apenas na Polícia Militar ou no Corpo de Bombeiros, mas em todas as instituições sociais.
“O machismo e as relações desiguais de gênero como um todo estão presentes em todos os espaços da sociedade, porque as desigualdades entre homem e mulher, a inferiorização e a tentativa de controle do corpo e da vida das mulheres são como o alicerce que fornece a estrutura básica das nossas relações”, disse a militante feminista.
Na avaliação da Vanessa, as atividades da soldado fora do horário de serviço e fora dos limites da instituição não dizem respeito à corporação – e ela não deve ser punida por isso. “Ela não cometeu nenhum crime, não ofendeu nem difamou, injuriou ou caluniou ninguém, não expôs os colegas, não se utilizou das dependências da instituição para fazer o ensaio, enfim, tudo o que ela fez estava dentro dos limites da sua esfera privada”, comentou.
Vanessa acredita que apenas uma educação igualitária entre homens em mulheres pode mudar a cultura machista. “É o caminho que exige mais esforços e mais tempo para ser concretizado, mas é o que mais surtirá efeitos”, afirmou. Paralelamente, defendeu ela, é preciso que haja mudanças nas instituições, abrindo caminhos para uma formação mais humanizada, igualitária, pautada no respeito às escolhas dos indivíduos, sem discriminações.
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