Parentes do motorneiro Nelson Correa da Silva, morto no acidente com o bonde no último sábado, criticaram nesta terça-feira o secretário estadual de Transportes, Júlio Lopes, que na segunda questionou a atitude do condutor de não ter levado o veículo para a oficina após uma colisão com um ônibus. Segundo o filho do motorneiro, Nelson da Silva Júnior, a família está indignada pelo que chamou de tentativa do secretário de jogar a culpa pelo acidente em seu pai:

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- Estão sujando a imagem do meu pai. O secretário deveria ser mais prudente e aguardar o resultado da perícia, antes de falar. Meu pai teve, isso sim, um ato de heroísmo, gritando para as pessoas pularem do bonde, enquanto tentava manter o controle do veículo e salvar aqueles que não tinham conseguido sair.

O filho do motorneiro contou que o pai era rigoroso quanto à segurança dos bondes. Segundo ele, era um ritual de Nelson, antes de sair com o veículo da oficina, verificar os freios. Depois da tragédia, a família recebeu a solidariedade até de turistas da China, do Japão e da França, que conheceram o motorneiro em viagens ao Rio.

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- Nem sabia que ele era tão conhecido. Vamos lutar por ele. Meu pai está morto, não tem como se defender - disse Nelson Júnior, que afixou, num poste no local do acidente, na Rua Joaquim Murtinho, um cartaz agradecendo o carinho dos moradores com seu pai.

Nelson Júnior confirmou que a família participará do protesto que a Associação de Moradores de Santa Teresa (Amast) fará às 9h, na estação da Carioca, nesta quinta-feira, dia em que os bondes de Santa Teresa completam 115 anos de serviço. Além dessa manifestação, nesta quarta, às 19h, a Amast realizará uma reunião, com a participação de autoridades, na Igreja Anglicana de Santa Teresa, na Rua Pascoal Carlos Magno, para discutir o futuro dos bondes no bairro.

Um relatório distribuído pela Central, companhia que administra os bondes, mostrou que o veículo que se acidentou no sábado foi para a manutenção 13 vezes em agosto, cinco para consertar o freio. A Central informou ainda que dos 14 bondes que possui, apenas três têm condições de circular. A companhia informou que os outros 11 bondes precisam de algum tipo de reparo ou de reforma completa.

Nesta terça-feira, o projetista Jorge Daniel de Athayde, uma das vítimas do acidente, contou ao GLOBO os momentos de pânico passados no sábado. Ele disse que decidiu passear em Santa Teresa após sair de um curso, no Centro, com amigos. O que ele vai guardar de recordação do programa, porém, é a emergência do Hospital Souza Aguiar, onde foi internado com escoriações e recebeu mais de 20 pontos na cabeça. Ao prestar depoimento ontem na 7 DP (Santa Teresa), Jorge lembrou as cenas dramáticas que presenciou: pessoas feridas, presas às ferragens, gritando por socorro.

Ele contou que o bonde começou a descer muito rápido: - Meu amigo viu quando o motorneiro pisou diversas vezes no freio, sem ter sucesso. Eu viajava atrás, mas meu amigo, que estava um pouco mais à frente, viu o motorneiro tentando controlar o bonde e o ouviu gritar diversas vezes que estava sem freio. Esse motorneiro foi um herói. Ele poderia ter pulado do bonde, mas tentou salvar todo.

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O projetista ficou revoltado com o caso:- É lamentável. Nós, cariocas, somos incentivados a visitar os pontos turísticos. Mas, quando vamos a eles, nos deparamos com falta de segurança.

Também nesta terça foi contestada a versão, apresentada pela Secretaria estadual de Transportes, de que uma colisão do bonde com um ônibus poderia ter prejudicado o compressor do freio do veículo. O choque teria acontecido horas antes do acidente que matou cinco pessoas e feriu 57. Mas, para o engenheiro Jorge Saraiva da Rocha, da Central Logística, empresa vinculada à Secretaria estadual de Transportes e responsável pelos bondes, é "muito pouco provável" que o ônibus tenha danificado o sistema.

- O sistema de freios fica embaixo do estrado do bonde. Um carro pequeno que tivesse batido poderia atingir alguma peça. Mas não um ônibus, que é alto. Acredito que o que houve foi falta de manutenção - disse Rocha, integrante do Sindicato dos Engenheiros do Rio (Senge-RJ). - A manutenção é tão precária que demorou a acontecer um acidente desse tipo.

Diretor do Sindicato dos Ferroviários, Pedro Ricardo de Oliveira Neto disse que, segundo funcionários, a batida amassou só um balaústre (peça de ferro na lateral do bonde). Após essa colisão, o motorneiro Nelson Correa da Silva teria descido até a estação da Carioca com passageiros, sem que os freios apresentassem problemas.- Em seguida, Nelson subiu com o bonde vazio até a oficina. Lá, foi verificado que a avaria não prejudicava o funcionamento do veículo. Um funcionário da oficina liberou o bonde, e Nelson voltou a circular - afirmou Oliveira Neto.

Interventor responde por improbidade administrativa

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Designado pelo governador Sérgio Cabral como interventor no sistema de bondes do Rio, o presidente do Departamento de Transportes Rodoviários (Detro), Rogério Onofre, falou nesta terça ao GLOBO da tarefa que irá executar. Segundo Onofre, o governador o convocou para fazer um amplo levantamento da situação de segurança e funcionamento dos bondes. Tarefa que o presidente do Detro classificou de "missão difícil e árdua". Ele adiantou ainda que a intervenção não tem prazo para acabar.

- A partir (do levantamento) sugerirei ao governo medidas que entendo necessárias e que devam ser tomadas para resolver esta questão, melhorando a gestão, colocando ordem no transporte.

Apesar de ser considerado linha dura e já ter recebido diversas ameaças por seu trabalho de combate às vans piratas, Onofre é acusado de causar dano ao erário ao comprar sem licitação uma locomotiva durante a sua gestão à frente da prefeitura de Paraíba do Sul - onde foi prefeito por dois mandatos (1997 a 2004). Onofre explicou que decidiu desapropriar e comprar a locomotiva porque não era possível abrir concorrência para a aquisição de um trem fabricado em 1910. A locomotiva foi usada para fazer o transporte de passageiros entre Paraíba do Sul e Paty do Alferes.

Onofre disse que o trabalho na gestão do sistema de bondes começa nesta quarta-feira, quando terá uma reunião, às 10h, com a direção da Central Logística, companhia que administra os bondes, para tomar ciência da situação. Ele ressaltou a importância da intervenção num setor que tem importância relevante para o turismo do Rio:- O transporte por bondes é muito importante para o turismo do Rio e precisa ser tratado com seriedade. É um grande receptivo turístico de nível internacional.

O presidente do Detro ressaltou que os resultados deverão acontecer o mais rápido possível, uma vez que ele pretende imprimir uma forte ação de gestão. Para resumir a dimensão da tarefa que terá pela frente, Onofre usou uma metáfora futebolística:- Vou plagiar o Francisco Horta, saudoso presidente do Fluminense, que lançou o vencer ou vencer. Vou arrumar ou arrumar.

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O Palácio Guanabara havia confirmado na tarde desta terça-feira que Onofre assumiria a gestão dos bondinhos de Santa Teresa. A informação havia sido antecipada mais cedo pelo jornalista Ancelmo Gois, em seu site.

No sábado, um bondinho descarrilou, matando cinco pessoas e ferindo outras 57.

A gestão de Onofre no Detro é marcada pela repressão ao transporte clandestino no estado, com operações frequentes no Grande Rio. Ele já foi alvo de ameaças de morte em razão da briga com a máfia das vans. Este ano, escapou de uma tentativa de assassinato em seu sítio.

MP vai investigar causas do acidente

O Ministério Público estadual anunciou nesta terça-feira que, por intermédio da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor e do Contribuinte, instaurou inquérito civil para apurar as circunstâncias do acidente envolvendo o bondinho de Santa Teresa, que resultou na morte de cinco pessoas e deixou 57 feridos. O MP quer saber as reais condições de operação, manutenção, conservação e uso do bonde acidentado.

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Segundo o MP, a abertura do inquérito tem por base a garantia de direitos básicos do consumidor como a prestação adequada e eficaz dos serviços públicos; a vedação ao prestador de serviços da colocação no mercado de consumo um serviço que represente risco à saúde e à segurança do consumidor; devendo responder à investigação os órgãos públicos em si, ou por meio de suas concessionárias. O MP enviou ofícios à empresa pública Central, à Secretaria Estadual de Transportes, à Agetransp, ao Crea-RJ, e a demais órgãos envolvidos na apuração dos fatos.

Também nesta terça, o Procurador-Geral de Justiça, Cláudio Soares Lopes, recebeu a representação encaminhada pelo vereador Paulo Messina com denúncias sobre a superlotação do sistema e o péssimo estado de conservação dos bondes. O documento foi encaminhado para análise da assessoria técnica.

Funcionários de companhia serão intimados a depor O delegado titular da 7ª DP (Santa Teresa), Tarcisio Jansen, disse, nesta terça-feira, que vai enviar um ofício à Companhia estadual de Engenharia de Transporte e Logística (Central), que administra os bondes. Ele quer informações técnicas e administrativas sobre a manutenção dos veículos e a dotação orçamentária da empresa para saber se os recursos são suficientes para a manutenção dos bondes. Nesse ofício, todos os técnicos e funcionários da Central serão intimados a depor formalmente para explicar como é feito o trabalho com os veículos. Jansen acrescentou que o laudo da perícia deve ficar pronto no período de 15 a 20 dias a contar de sábado, data do acidente. As testemunhas, segundo ele, estão sendo ouvidas aos poucos, à medida que são liberadas do hospital.

Peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli estiveram nesta terça na oficina dos bondes de Santa Teresa recolhendo material para análise na tentativa de descobrir as causas do acidente. No material recolhido, está a sapata do freio do bonde acidentado, que fora trocada dias antes da tragédia. Na segunda-feira, o Sindicato dos Ferroviários já havia levantado suspeitas sobre o funcionamento dessa peça, pedindo uma vistoria do equipamento.

Governador mantém silêncio

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Pelo terceiro dia consecutivo após o acidente, o governador manteve o silêncio sobre a tragédia. Nesta terça-feira, em São Paulo, o governador Sérgio Cabral falou por mais de 30 minutos a empresários sobre realizações e projetos do seu governo, ressaltando investimentos na área de transportes, mas em nenhum momento fez menção à situação do sistema de bondes. Ele deixou a palestra sem sequer conceder entrevista, prevista na programação do evento.

A assessoria do governador, que havia levado os repórteres para uma sala para aguardá-lo, informou que ele havia ido embora porque tinha uma reunião no Rio de Janeiro. Até esta terça, Cabral não deu uma única declaração sobre o acidente, que coloca sob suspeita a gestão do sistema de bondes pelo estado. A única manifestação dele foi por meio de nota oficial no domingo. Na segunda-feira, em viagem no Espírito Santo, ele também não quis comentar o assunto.

Audiência na Alerj discutirá situação dos bondes

No dia 15 de setembro, a Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) vai realizar uma audiência pública para debater a situação dos bondes de Santa Teresa. A reunião já estava marcada para essa data desde a morte de um turista francês que caiu do bondinho no momento em que ele passava sobre os Arcos da Lapa, no dia 24 de junho.

A comissão convocará os responsáveis pela Central Logística, o secretário Estadual de Transportes, Júlio Lopes, representantes do Ministério Público, do Crea-RJ e da Associação de Moradores de Santa Teresa.

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