Ao ver pela televisão as cenas da reintegração de posse da ocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), a pesquisadora e artesã curitibana Andrea Cordeiro decidiu fazer algo pelas cerca de mil crianças que, do dia para a noite, haviam perdido o lar. Nas redes sociais, ela e outras artesãs de diversas partes do Brasil começaram a debater o que poderia ser feito. Andrea se lembrou de um projeto nos Estados Unidos que confecciona e doa bonecas para crianças pobres em todo o mundo. A ideia foi importada e o Brasil também ganhou um "bonecas sem-fronteiras", como brinca carinhosamente a idealizadora da iniciativa.
A movimentação começou há três semanas e, em função da ampla adesão em todo o país, já foram confeccionadas 100 bonecas. A meta é chegar a 500. A repercussão nas redes sociais foi tamanha que a criadora do projeto americano, o Dolly Donations, também fez uma mobilização para mandar 200 peças para o Brasil. Segundo Andrea, o fato de o grupo mesmo confeccionar as bonecas mostra mais carinho e atenção com o outro, além de reforçar os laços de amizade e solidariedade de quem produz. "É diferente de comprar brinquedos e doar. Estamos mostrando para as crianças que há alguém que se preocupou verdadeiramente com elas", diz a pesquisadora.
O movimento foi todo organizado pela internet. Há 65 artesãos de estados como Rio Grande do Sul, Ceará e Santa Catarina que abraçaram a causa e se cadastraram na página criada por Andrea no Facebook. "Nos transformamos em um viral do bem", conta. O grupo organizou a compra de materiais e chamou voluntários para a produção. Há dois fins de semana, os voluntários de Curitiba se reuniram. Mesmo sem se conhecer pessoalmente, Andrea conseguiu 20 pessoas na escola do filho, que ofereceu o espaço. Até costureiros de primeira viagem puderam participar, já que o molde das peças é simples. Vinte bonecas foram fabricadas e enviadas para São Paulo.
Liderança
Um dos grupos mais ativos foi o do Rio Grande do Sul, liderado pela artesã e professora universitária Ceres Torres, que produziu 40 peças. Também pelas redes sociais, Andrea descobriu um voluntário em São José dos Campos, cidade onde ocorreu a desocupação. O professor Luiz Augusto dos Reis se responsabilizou por mobilizar um grupo de "clowns" (palhaços), também pela internet, para ajudar na entrega dos presentes, que ocorrerá no final de fevereiro. Na Páscoa, o objetivo é entregar as bonecas enviadas dos Estados Unidos.
No Brasil, o grupo resolveu fazer também outros bichinhos, como cachorros e robôs, já que ainda há preconceito sobre meninos brincarem com bonecas. Até neste ponto o grupo foi assessorado pela internet e uma pesquisadora que mora na Suíça mandou um texto falando sobre a importância de meninos também terem bonecas, já que não conseguem estabelecer os mesmos laços afetivos com carrinhos e bolas.
Segundo Andrea, o maior ganho é que a iniciativa reuniu pessoas de todos os lados, de partidos políticos de esquerda, direita, sem partido, religiosos e ateus. A motivação deles é tentar ajudar as crianças a retomarem suas referências. "Quando um filho chora no berço e recebe a atenção dos pais, sabe que vai ficar tudo bem. Mas, naquele caso, a família foi desautorizada e, mesmo com os pais lá, nada mudou", diz a pesquisadora, que faz doutorado na Universidade Federal do Paraná sobre a Historiografia da Infância.
Brincadeiras ajudam a amenizar a dor em situações extremas
A pesquisadora Andrea Cordeiro enfrentou alguma resistência na internet sobre a ideia de doar bonecas e não alimentos e roupas. "Digo que a comida e o abrigo são essenciais, mas o brinquedo, o afeto e o carinho são tão importantes quanto", afirma. Segundo ela, os meninos e meninas podem encontrar na boneca um conforto e ajuda para se tornarem resilientes. "Questiono por que, para algumas crianças, a infância é negada. Por que elas têm de virar adultas e não podem brincar?"
No início do século 20, o psicólogo e pediatra inglês Donald Winnicott foi um dos primeiros a estudar a importância do brincar para as crianças. Professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a psicóloga Flávia Maria de Paula Soares explica que os estudiosos descobriram que era possível ter acesso à psique da criança por meio da brincadeira. "A criança expressa seus conflitos pela brincadeira e, à medida que brinca, os resolve."
Segundo a professora, em situações extremas, como as vivenciadas pelas crianças da ocupação no interior de São Paulo, o lúdico pode ajudar a amenizar a dor. "O faz de conta é importante. É uma saída criativa para sair da aridez da situação real", explica Flávia.
Serviço:
Quem quiser se tornar voluntário pode contatar a pesquisadora Andrea Cordeiro pelo e-mail ou site: acascadacigarra@yahoo.com.br ; acascadacigarra.blogspot.com ; Fan Page no Facebook - Bonecas para as crianças de Pinheirinho.
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