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Inclusão

Braille, 200 anos de liberdade

Braille aprefeiçoou o código usado pelos cegos aos 15 anos. Morreu aos 43 e tornou-se famoso por sua criação 30 anos depois. | Divulgação
Braille aprefeiçoou o código usado pelos cegos aos 15 anos. Morreu aos 43 e tornou-se famoso por sua criação 30 anos depois. (Foto: Divulgação)
Leomir Barbosa Bill é professor, pós-graduado e ensina o alfabeto braile para crianças. Tudo graças à leitura. |

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Leomir Barbosa Bill é professor, pós-graduado e ensina o alfabeto braile para crianças. Tudo graças à leitura.

Trinta e sete milhões de pessoas são cegas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. Nove entre dez estão nos países em desenvolvimento, 1,3 milhão só no Brasil. Essa legião privada da visão dispensa superproteção e tampouco está mergulhada numa miséria existencial por uma incapacidade que lhe querem atribuir. Ser cego hoje não é como há dois séculos, e não só porque o mundo mudou. As condições excludentes não teriam mudado se não tivesse se transformado também a relação dessas pessoas com o mundo, algo possível a partir do alfabeto criado por Louis Braille, cujo bicentenário de nascimento se comemora neste ano.

Com dois cursos universitários e uma pós-graduação, o professor Leomir Barbosa Bill, de 51 anos, reconhece que seu destino e de tantos outros cegos mundo afora seria o vazio existencial não fosse a alfabetização pelo sistema braile. A leitura traz conhecimento, que aumenta as chances de trabalho, levando à autonomia e daí à liberdade. É assim que Bill sente-se hoje, autônomo e livre. Oriundo de família pobre, órfão de mãe muito cedo, cegado aos 2 anos de idade pelo sarampo, ele foi criado dos 3 aos 25 anos no Instituto Paranaense de Cegos (IPC), de onde só saiu para se casar, depois de formado em Fisioterapia pela PUCPR.

Pelas contas dele, mais de 100 cegos já chegaram à universidade em Curitiba. Ele próprio também é graduado em Letras pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduado em Gestão de Qualidade na Educação. Tanto aprendizado lhe garantiu dois concursos públicos: para professor do estado, em 1979, e para professor municipal em Curitiba, dez anos depois. Em retribuição, Bill ensina o alfabeto braile para crianças no IPC e na Associação dos Deficientes Visuais do Paraná. Esportista, foi convocado três vezes para a seleção brasileira de futebol de cegos, em 1985, 1987 e 1988. As condições que permitiram o sucesso de Bill tiveram início há dois séculos.

Louis Braille nasceu em 4 de janeiro de 1809 num povoado a 40 quilômetros de Paris. Filho de um fabricante de arreios e selas, aos 3 anos, feriu um olho com um objeto pontiagudo. Como na época não se conhecia o controle das infecções, o outro foi contaminado e aos 5 anos ele perderia completamente a visão. Frequentou o ensino regular até os 10 anos, quando foi enviado ao Instituto Real de Jovens Cegos de Paris, onde se ensinava a ler por meio de letras em relevo. Dois anos mais tarde, conheceria um método de comunicação tátil que usava pontos e traços em relevo dispostos num retângulo com seis pontos de altura por dois de largura.

Chamado de escrita noturna, o sistema foi criado pelo capitão da artilharia francesa Charles Barbier para uso no campo de batalha, para ler mensagens no escuro, trocar ordens e informações de forma sigilosa. Os pontos em relevo marcados com uma sovela em papelão podiam ser sentidos no escuro pelos soldados. A escrita noturna baseava-se numa tabela de trinta e seis quadrados, cada quadrado representando um som básico da linguagem humana. Duas fileiras com até seis pontos cada uma eram gravadas em relevo no papel.

Até então os sistemas de leitura para cegos se baseavam no alfabeto de pessoas com visão normal, num processo lento para traçar cada contorno da letra em relevo. Barbier modificou seu método de forma a ser usado pelos cegos. Rebatizado de sonografia, o sistema não usava letras individuais para soletrar as palavras, mas transformava sons inteiros em grupos de pontos e traços. Era um avanço se comparado ao método anterior de letras em relevo de Valentin Haüy, mas a novidade tinha pontos demais, e os pontos não diziam o suficiente.

Planejado para representar palavras como uma coleção de sons, o sistema de Barbier não permitia soletrar ou incluir qualquer pontuação nas sentenças. Também não dava para acentuar palavras, essencial para a ortografia francesa, ou escrever números, operar matemática, compor música. Havia muitos sinais para uma única palavra. Cada símbolo podia equivaler a seis pontos, e uma única sílaba de uma palavra podia necessitar de 20 pontos. Era demais para sentir com um dedo, e havia muito mais em cada grupo para ser lembrado.

Aos 13 anos, Braille sentiu necessidade de aperfeiçoar o código e reduziu os 12 pontos de Barbier para seis, desenvolvendo um método simples e eficiente baseado numa célula de apenas três pontos de altura por dois de largura. Aos 15 anos concluiu o sistema, incluindo a notação numérica e musical, aos 17 já lecionava no instituto e aos 20 publicou o alfabeto que permanece praticamente inalterado até hoje. Braille morreu em 6 de janeiro de 1852, aos 43 anos, mas só a partir da terceira década depois de sua morte se tornaria famoso no mundo pelo seu feito notável.

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