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Os recursos aplicados na educação nas últimas duas décadas poderiam ter colocado a educação básica brasileira acima da média mundial. É o que reafirma um estudo do Banco Mundial, publicado no final de julho de 2021. Apesar de aumentar significativamente os investimentos no setor, reduzir a desigualdade de financiamento entre os estados ricos e pobres, a qualidade da educação não cresceu no mesmo ritmo – pior, teve evolução ínfima, com exceção dos primeiros anos do ensino fundamental.
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Em 2015, o país aplicou 6% do PIB em educação, mais do que a média dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 5,5%, mas ficou bem abaixo no desempenho nas provas que avaliam a aprendizagem. Na última edição do Programa de Avaliação Internacional de Alunos (Pisa), feita em 2018, por exemplo, os estudantes brasileiros de 15 anos alcançaram 413 pontos, enquanto a média internacional, comparada com mais de 70 nações, foi de 487 pontos. No ranking, o país ficou em 58° lugar em leitura, 66° em ciências e em 72° em matemática, com notas bem abaixo da média de outras nações participantes, algumas que gastam menor proporção do PIB em educação, como o Chile.
Essa discrepância entre gasto e resultado, caso não seja resolvida, vai atrasar o país por décadas e até séculos. Para os autores da análise do Banco Mundial, no ritmo atual, o Brasil levará 75 anos para atingir a pontuação média internacional do Pisa em matemática e 263 anos para atingir a pontuação média em leitura.
O estudo conduzido pelos pesquisadores do Banco Mundial André Loureiro, Louisee Cruz e Ursula Mello, faz parte da coletânea The Role of Intergovernmental Fiscal Transfers in Improving Education Outcomes ("O papel das transferências fiscais intergovernamentais na melhoria dos resultados da educação", em tradução livre). A publicação traz sete estudos de caso analisando o sistema de repasses de recursos públicos para a educação no Sudão, Uganda, China, Bulgária, Indonésia, Colômbia e Brasil.
No caso brasileiro, a conclusão dos pesquisadores foi clara. “Há um enorme espaço para aumentar a qualidade e eficiência do investimento em educação”, destacou André Loureiro, economista sênior de Educação do Banco Mundial e um dos autores do estudo. Embora o gasto por aluno no Brasil ainda seja relativamente baixo na educação básica, o incremento no volume de recursos destinados à educação registrado nas últimas duas décadas deveria ter resultado em melhoras substanciais na aprendizagem dos alunos.
O estudo alerta que o desempenho do Brasil está abaixo dos resultados que poderiam ser esperados, dados os níveis atuais de gastos por aluno. Segundo análise da OCDE, divulgada m 2019, o Brasil investe anualmente US$ 3,8 mil por aluno do ensino fundamental e US$ 4,1 mil por alunos do ensino médio. Para os pesquisadores, com esse custo, os estudantes brasileiros deveriam atingir pontuações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) aproximadamente 40% mais altas do que os níveis atuais. Em 2019, a média nacional do Ideb foi de 3,9 no ensino médio e 5,7 no ensino fundamental. A escala do índice vai de 0 a 10.
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Saber gastar
Para o professor João Batista Oliveira, doutor em Educação pela Universidade do Estado da Flórida e presidente do Instituto Alfa e Beto, o resultado do estudo era previsível. Ele lembra que, além do acréscimo significativo no volume de recursos destinados à educação, a mudança no perfil de crescimento demográfico no Brasil, que fez o número de estudantes diminuir ao longo dos anos, também tem reflexos no montante investido em cada aluno. Ainda assim, os resultados da educação permanecem pífios.
“O problema reside na legislação e na mentalidade reinante: o Brasil investe mal e nas coisas erradas, gasta mais para preservar uma estrutura equivocada. O problema não está nem nos recursos nem nos gastos, está na qualidade dos gastos”, alerta Oliveira.
De acordo com a Constituição, municípios e estados precisam aplicar pelo menos 25% de sua receita fiscal na educação e a União, 18%. Embora à primeira vista a obrigação constitucional de investimento na educação pareça ter apenas pontos positivos, ela também abre caminho para o aumento da desigualdade entre regiões mais ricas e mais pobres. Estados e municípios mais ricos arrecadam mais e consequentemente investem mais em educação. Já aqueles onde a arrecadação é menor, acabam prejudicados.
Devido a essas diferenças, o estudo do Banco Mundial ressalta a importância de fundos complementares como o Fundef (Fundo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), substituído posteriormente pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). Para os pesquisadores, esses fundos ajudam a minimizar as desigualdades nos gastos com educação e ajudam estados e municípios a obterem melhores resultados.
Eles citam um artigo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2017 que já mostrava o impacto positivo dos fundos de educação na aprendizagem. Numa avaliação de impacto do efeito do Fundeb sobre os alunos do ensino médio entre 2005 e 2011, os autores mostraram que o fundo elevou as notas dos alunos nos testes do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), em português e matemática em 12 e 18 pontos, respectivamente.
Outro ponto que os pesquisadores do Banco Mundial ressaltam é o caráter sazonal dos repassem vinculados às receitas, que dependem exclusivamente do desempenho fiscal dos municípios. Esse desempenho pode variar bastante devido a fatores externos, como fechamento ou abertura de empresas, queda na produção ou mesmo uma pandemia. Essa instabilidade prejudica a adoção de ações bem planejadas e eficazes, que possam de fato, implicar na melhoria do ensino e aprendizagem.
Para a ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Ilona Becskehazy, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo, o debate sobre educação no Brasil sempre privilegiou a obtenção de cada vez mais recursos. Enquanto isso, a questão da qualidade e eficiência dos investimentos ficou em segundo plano.
“Isso é explicável pelo fato de que temos educação majoritariamente pública. Sempre teremos fornecedores, sindicalistas e seus agregados jogando o jogo do poder e da reivindicação por mais recursos. A sociedade brasileira precisa se libertar dessa situação de captura do direito à educação dos alunos por quem apenas suga recurso do sistema”, alerta.
Solução: aplicar recursos apenas em programas eficientes
Os pesquisadores do Banco Mundial colocam o estado do Ceará como um bom exemplo de que é possível melhorar o sistema de repasses para a educação. “Investir em educação é uma condição necessária para educação, mas não é suficiente, e a evolução dos municípios do Ceará na educação nos mostra isso. É preciso também ter muito foco na gestão da política educacional, como foi o caso da política educacional cearense para o ensino fundamental”, explica o economista André Loureiro.
Desde 2007, o governo cearense adotou uma nova forma de distribuir os recursos do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) entre os municípios. O critério passou a ser o desempenho em indicadores de educação, saúde e meio ambiente, sendo a educação o principal.
Assim, quando os municípios melhoram seus resultados de educação, eles recebem uma parcela maior da receita de ICMS, e esses recursos podem ser usados da forma como o prefeito quiser. O governo estadual também selecionou indicadores claros e ampliou os sistemas de monitoramento e avaliação do ensino, além de oferecer suporte técnico e dar mais autonomia para os municípios administrarem as escolas
Os resultados não demoraram a aparecer. Os municípios do Ceará tiveram o maior aumento nas pontuações do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) entre 2005 e 2017 entre todos os 5.570 municípios brasileiros, sendo que o município de Sobral alcançou o primeiro lugar em 2017. Em 2019, o estado, que está em 18º lugar em relação a renda per capita nacional, foi considerado a terceira melhor rede pública de ensino dos anos iniciais do ensino fundamental.
Nos anos finais, o estado conquistou a primeiro posição, mesmo resultado de São Paulo, estado mais rico do país. Esses números evidenciam que, mesmo sem qualquer gasto adicional, seria possível melhorar significativamente a qualidade do ensino fundamental e médio com a adoção de práticas mais eficientes de gestão e alocação de recursos. “O que as nossas análises indicam é que os outros estados podem alcançar níveis similares de qualidade no ensino fundamental aos do Ceará se tiverem sua política educacional inspirada nos pilares do modelo cearense, como muitos já estão começando”, ressalta Loureiro.
Ilona Becskehazy concorda que a estratégia adotada no Ceará de cobrar resultados concretos e atrelar recursos ao esforço e desempenho funciona. Mas ela alerta que ainda há muito o que fazer. “Enquanto não for corriqueiro haver a expectativa de que todos os alunos terminem o 1º ano lendo com fluência um texto adequado para sua idade numa velocidade de 50 palavras por minuto e como se faz para chegar a esse resultado, não avançaremos. Pode-se dar bônus, ICMS, o que for. Sem se saber para onde se vai, qualquer caminho (e qualquer gasto) serve”, finaliza.