Tese defendida em 2009 mostrou que somente 1% do produto pulverizado por avião é absorvido pela lavoura. O restante se dissipa pelo ar, água e solo| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

Estudo

Pesticidas causam desequilíbrio no organismo e diversas doenças

Os malefícios dos agrotóxicos no corpo humano são conhecidos há pelo menos duas décadas, embora somente nos últimos anos pesquisadores tenham conseguido juntar um número suficiente de estudos para comprovar seu efeito cumulativo na saúde ao longo de anos de exposição. São casos agudos (intoxicação por pequenas doses, num curto espaço de tempo) ou crônicos, quando ocorre manipulação prolongada de várias substâncias ou ainda no ventre materno, o que interfere no desenvolvimento fetal e causa deformações incuráveis.

Segundo a chefe do Setor de Endocrinologia do Hospital Evangélico de Curitiba, Mirnaluci Ribeiro Gama, tais substâncias químicas, chamadas de disruptores endócrinos, têm o poder de simular ou bloquear a ação dos hormônios produzidos pelo corpo, o que gera desequílibrios metabólicos e multiplicações celulares que podem levar ao câncer. "Glândulas como a tireoide, testículos e ovários, assim como o tecido adiposo, são os mais frequentemente acometidos", explica.

Estrogênio

Um exemplo, cita a médica, ocorre com os hormônios sexuais, em especial o estrogênio. Meninas expostas a agrotóxicos entraram na puberdade antes do tempo. Substâncias presentes nesses agentes, chamadas de xenoestrógenos, enganam o organismo e simulam o papel do hormônio, induzindo as meninas a menstruar precocemente. A exposição ao estrogênio por um período maior do que o programado pela natureza também aumenta o risco de câncer de mama, já que este hormônio alimenta os receptores de estrogênio das células mamárias.

Nos homens, foi comprovado o aumento de casos de infertilidade, devido à redução do número de espermatozoides em indivíduos expostos aos produtos. Os agrotóxicos também são uma das causas comprovadas do Mal de Parkinson, além de alguns casos de leucemia, linfomas e mielomas múltiplos.

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Exceção

Desde 2008, 14 substâncias químicas estão na mira da Anvisa. Destas, quatro foram ou devem ser retiradas do mercado, mas nos demais casos, a discussão pouco avançou. Confira quais são as substâncias, o que causam, a situação atual sobre sua discussão e em que países já são proibidas:

Abamectina

Toxicidade aguda e suspeita de toxicidade reprodutiva; Ainda não foi discutida; única substância não proibida pela União Europeia.

Acefato

Neurotoxicidade, carcinogenicidade e toxicidade reprodutiva; Já houve consulta pública para seu banimento, mas decisão não foi publicada; União Europeia.

Carbofurano

Alta toxicidade aguda e desregulação endócrina; Ainda não houve consulta pública; União Europeia e EUA.

Cihexatina

Alta toxicidade aguda, carcinogenicidade para seres humanos, toxicidade reprodutiva e neurotoxicidade; retirado do mercado em novembro de 2011; União Europeia, Japão, EUA e Canadá.

Endossulfam

Alta toxicidade aguda, desregulação endócrina e toxicidade reprodutiva; Será retirado do mercado em julho de 2013; União Europeia e Índia.

Forato

Alta toxicidade aguda e neurotoxicidade; Já houve consulta pública, mas não foi publicada decisão; União Europeia e EUA.

Fosmete

Neurotoxicidade; já houve discussão e produto será mantido no mercado com restrições; União Europeia.

Glifosato

Intoxicação (há solicitação de revisão da Ingesta Diária Aceitável (IDA) por parte de empresa registrante, necessidade de controle de impurezas presentes no produto técnico e possíveis efeitos toxicológicos adversos); Não houve consulta pública; Em revisão pela União Europeia.

Lactofem

Carcinogênico; não houve consulta pública; União Europeia.

Metamidofós

Alta toxicidade aguda e neurotoxicidade; Foi retirado do mercado em julho deste ano; União Europeia, China e Índia.

Paraquate

Alta toxicidade aguda e toxicidade; Não houve consulta pública; União Europeia.

Parationa Metílica

Neurotoxicidade, desregulação endócrina, mutagenicidade e carcinogenicidade; já houve consulta pública, mas decisão não foi publicada; União Europeia e China.

Tiram

Mutagenicidade, toxicidade reprodutiva e desregulação endócrina; não houve consulta pública; EUA.

Triclorfom

Neurotoxicidade, potencial carcinogênico e toxicidade reprodutiva; retirado do mercado em 2010; União Europeia.

Fonte: Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida -www.contraosagrotoxicos.org

O Brasil, um dos maiores produtores agrícolas do mundo, é uma das nações mais atrasadas no controle de agrotóxicos. Dos 50 produtos químicos mais aplicados na agricultura, 22 são proibidos pela União Europeia (UE) e Estados Unidos, mas continuam sendo largamente utilizados em território brasileiro, apesar dos riscos que oferecem à saúde.

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Entre eles, agentes que causam cegueira, má formação fetal, câncer (em especial os de tireoide e mama), puberdade precoce, problemas respiratórios e disfunções renais, de acordo com relatórios técnicos de várias entidades lançados neste ano e que corroboram alertas feitos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em anos anteriores.

Desde 2008, a Agência Nacional de Vigilância Sani­tária (Anvisa) alerta para a necessidade de vetar o uso dessas substâncias, mas somente agora, com o veto de países a produtos brasileiros cultivados com alguns agrotóxicos, é que a discussão ganhou corpo. A agência estuda proibir dez substâncias, além de quatro que já tiveram sua retirada do mercado aprovada.

Nessa relação está o endossulfam, cujos efeitos foram primeiramente notados num vilarejo na Índia, onde 6 mil pessoas (cerca de 50% dos domicílios), a maioria crianças, apresentaram graves deformações físicas e neurológicas. O produto só deve ser banido em 2013, de acordo com a agência. Na UE, ele está proibido desde 1985.

"Após a revolução verde [disseminação de práticas agrícolas, entre elas o uso de produtos químicos, que permitiu o aumento da produção nos anos 70], estamos vivendo a revolução vermelha. É um modelo químico-dependente que está causando um sério problema à saúde. Há evidências científicas disso há muito tempo", afirma o pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso Wanderlei Pignati, que coordenou um estudo sobre agrotóxicos que foi apresentado na Conferência das Nações Unidas sobre Sustentabilidade, a Rio+20, em junho, no Rio de Janeiro.

Além do limite

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A aplicação de agrotóxicos além do Limite Máximo de Resíduos (LMR) permitido de acordo com a legislação também preocupa porque gera uma série de complicações em trabalhadores do campo e consumidores. Relatório de 2010 do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), da Anvisa, revelou que 28% de 2.488 amostras de alimentos analisadas continham substâncias autorizadas, mas acima do LMR, ou proibidas. De acordo com o Ministério da Saúde, o uso indiscriminado de agrotóxicos causou 7.677 casos de intoxicação no país em 2009.

"O Brasil é hoje o maior consumidor mundial de agrotóxicos e existe muita pressão das empresas para que esse modelo seja mantido. Há um esforço da Anvisa para controlar e proibir essas substâncias, mas as empresas entram na Justiça para barrar a discussão", explica a assessora jurídica da organização Terra de Direitos, Ana Carolina Brolo de Almeida.

Em 2008, quando as discussões para a proibição das 14 substâncias se iniciaram, as empresas conseguiram suspender a publicação dos resultados dos estudos por dois anos. Em 2010, o processo foi retomado, mas devido ao atraso, as discussões não avançaram. A reportagem enviou perguntas por e-mail à Anvisa, mas o órgão não se pronunciou até o fechamento desta reportagem.

Pulverização aérea é ineficiente

Além de permitir o uso de substâncias que já são proibidas em países desenvolvidos, o Brasil adota outra prática banida pela União Europeia desde janeiro de 2009: a pulverização aérea de plantações, que, no intuito de abranger a maior área possível de cultivo, também contamina o ar, solo, mananciais, estradas e até vilarejos a quilômetros de distância.

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Tática de guerra

"É uma prática que lembra uma guerra [Vietnã], usar avião para despejar veneno. É preciso proibir essa prática o mais rápido possível", diz o médico e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso Wanderlei Pignati, um dos maiores especialistas no assunto. A pesquisadora do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Isabel Fontes Jardim concorda. Uma tese de doutorado orientada por ela em 2009 mostrou que, além de prejudicial à saúde, a prática é ineficaz. "Somente 1% do produto aplicado atinge o alvo. Os 99% restantes vão para o ar, água e solo."

Especialista em agrotóxicos e sua relação com doenças, a médica e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará Raquel Rigotto diz que as normas brasileiras que determinam limites para a prática são ineficazes – como uma distância mínima de 500 metros para povoados e de 250 para mananciais. "Num ecossistema, isso [os limites] é muito pouco. Há vários aspectos que interferem, como os ventos, a temperatura, a umidade. Não há como controlar. Portanto, a prática precisa ser abolida."

Para se aprofundar

Acesse os relatórios já publicados sobre agrotóxicos pela Anvisa, Câmara dos Deputados e Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), este último apresentado na Rio+20:

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Anvisa: http://migre.me/b78c3

Abrasco

Relatório I: http://migre.me/b78cS

Relatório II: http://migre.me/b78dG

Câmara dos Deputados: http://migre.me/b78em

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