São Paulo - O Brasil é o país que mais perde com a biopirataria. A avaliação é de Bruno Barbosa, coordenador-geral de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Um dos casos mais conhecidos de recurso natural que gerou lucros imensos para a indústria farmacêutica e nenhum centavo para o país é o anti-hipertensivo captopril. O princípio ativo foi descoberto no veneno da jararaca. "Um laboratório ganha cerca de US$ 5 bilhões por ano com o medicamento. Pagamos os royalties para usá-lo", comenta Barbosa. Em entrevista, ele afirma que o Brasil deve assumir uma posição de protagonismo no debate mundial para garantir a participação dos países mais pobres nos dividendos da biodiversidade.
É possível traçar um panorama da biopirataria no país?
Infelizmente não. Não é necessário cruzar a fronteira com o bicho inteiro. Pode ser uma gota de sangue ou uma pena. Às vezes, só uma semente ou, até mesmo, um pouco de terra com micro-organismos. O importante são as informações genéticas. Como não há lei penal específica, não conseguimos autorização para realizar tarefas de inteligência essenciais para apurar crimes tão complexos. Contamos só com penas administrativas normalmente multas.
Qual é a utilidade dessas informações genéticas?
Os genes guardam instruções para a produção de diversas substâncias que despertam interesse da indústria farmacêutica e química. Eles podem ser inseridos nas células de outros seres vivos que se tornam pequenas fábricas para a produção da substância cobiçada. Recentemente, inseriram em cabras o gene responsável pela produção da teia de uma aranha. O leite das cabras transgênicas foi processado e purificado e produziu uma fibra tão resistente quanto o aço. Cerca de 40% dos remédios usados hoje já são fruto da biotecnologia. Vale lembrar que a indústria farmacêutica movimenta US$ 400 bilhões por ano cerca de R$ 700 bilhões. O Brasil é o maior alvo, por três motivos: temos um quinto da biodiversidade do mundo, nossas comunidades tradicionais guardam dicas sobre as plantas e animais mais promissores para a descoberta de compostos com interesse econômico e temos uma comunidade científica bem estruturada e em expansão resultados de pesquisas também dão pistas de genes interessantes.
Quais seres vivos são mais procurados?
Em geral, aqueles que têm toxinas. Dizem que todo remédio é veneno dosado. Seria muito conveniente que o Estado brasileiro realizasse um levantamento das patentes internacionais obtidas com o patrimônio genético nacional, para argumentar no cenário político internacional. A Convenção da Diversidade Biológica (CDB), assinada durante a Rio-92, estabelecia o direito à soberania dos povos sobre os recursos genéticos encontrados no seu território. Com exceção dos Estados Unidos, a maioria dos países assinou a convenção, que não prevê sanção para quem a desrespeita. Na prática, só vigora o acordo internacional de patentes, aprovado em 1994, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), que estabelece três pré-condições para que uma patente seja aceita: objeto inovador, fruto de atividade inventiva e com aplicação industrial. Ou seja, nem uma palavra sobre respeito à soberania dos povos no acesso aos recursos genéticos. Países com grande biodiversidade devem lutar para unir os dois acordos. Mas deve haver sentido de urgência. Se o processo demorar uma ou duas décadas, o prejuízo do Brasil será astronômico.