A notícia de que extremistas islâmicos usam o Brasil como base de operações para ações de terrorismo levantou dúvidas em relação à eficiência da legislação brasileira para coibir este tipo problema. Com base em documentos da CIA, FBI, Tesouro americano, Interpol e Polícia Federal (PF), a revista Veja mostrou, nas últimas três semanas, como brasileiros são supostamente aliciados e como esses grupos agiriam em território nacional. Autoridades afirmam estar de mãos amarradas por falta de uma legislação específica no combate ao terrorismo. Especialistas ouvidos pela reportagem, de modo geral, afirmam não serem necessárias mudanças na legislação. Mas há vozes dissonantes.
Entre os extremistas identificados pelas investigações como suspeitos de atos terroristas, pelo menos dois moram em Foz do Iguaçu: Mohamed Ali Abou Ibrahim Soliman e Assad Ahmad Barakat. O principal homem do grupo no Brasil seria o libanês Khaled Hussein Ali. Conhecido como Príncipe da Jihad, teria sido preso após a PF encontrar no computador dele provas de que elaborava material de propaganda da Al Qaeda, promovendo terrorismo pela internet. Foi preso, mas ficou menos de um mês na cadeia.
Segundo os especialistas, mesmo uma lei específica contra o terror não seria capaz de mantê-lo mais tempo preso, pois mesmo que houvesse uma determinação nesse sentido, seria considerada inconstitucional. O Estado brasileiro prevê a prisão cautelar (durante o processo e antes de uma sentença condenatória final) como exceção. A regra é o recolhimento à prisão apenas após uma sentença condenatória final.
"Não é a falta de uma legislação específica que afeta. Você só prende cautelarmente se a pessoa está tumultuando o processo, tentando fugir do país, não importa a gravidade do crime", explica Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP).
Bottini diz não ser contra uma legislação específica para o terror, mas, segundo ele, no momento é mais importante para o país uma adequação à legislação sobre crime organizado. "Nossa definição de bando ou quadrilha é arcaica, por exemplo", exemplifica. O especialista lembra que mesmo sem uma previsão legislativa detalhada do terrorismo, o agente responde por atos praticados e que são considerados crimes, como tráfico de armas, extorsão, lavagem de dinheiro, porte ilegal de arma, tráfico de drogas, entre outros. "Não é uma lei do terrorismo que vai resolver. O que chamamos de terrorismo já é tipificado em vários crimes."
Para o professor do Instituto Rio Branco Jorge Fontoura a falta de legislação específica sobre o terrorismo não arranha a imagem do Brasil perante a comunidade externa. "O Brasil é uma democracia plena que promove uma cooperação internacional ampla. Não há motivo para que se torne suspeito de facilitar ou não cooperar com a segurança coletiva", opina.
O Itamaraty tem um discurso parecido ao de Fontoura. De acordo com as informações repassadas à reportagem, o Brasil atua auxiliando o combate ao terrorismo e repudia os atos de terror praticados em todo o mundo.
De acordo com Fontoura, a suposta preocupação internacional com a situação brasileira não passa de boato. "Não se pode confundir fato diplomático com fofoca diplomática. Está se fazendo uma celeuma desnecessária." Segundo ele, se houvesse realmente uma preocupação com o tema, o assunto teria sido motivo de diálogo entre Dilma Rousseff e Barack Obama em sua vinda ao Brasil. "E isso não esteve na agenda", garante.
Para o jurista René Ariel Dotti, as leis existentes são suficientes, principalmente a lei de crimes contra a segurança nacional. "O que falta é uma sensibilidade para o tema. Precisamos de uma polícia política democrática, uma coordenação de caráter preventivo", opina. "Falta de lei para combater o terrorismo é desculpa do poder público."