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Brasil pediu desculpas aos EUA por tumulto na entrega do menino Sean

João Paulo Lins e Silva, padastro de Sean Goldman, entrega à criança ao pai biológico, David Goldman | Bruno Domingos/Reuters/Arquivo
João Paulo Lins e Silva, padastro de Sean Goldman, entrega à criança ao pai biológico, David Goldman (Foto: Bruno Domingos/Reuters/Arquivo)

Após a entrega do menino Sean Goldman, então com 9 anos, ao pai, o americano David Goldman, em dezembro de 2009, o governo brasileiro demonstrou apoio ao pai e enviou um pedido de desculpas a Washington pelo tumulto gerado no consulado dos EUA no Rio durante o cumprimento da decisão judicial.

Em e-mail enviado a assessores de Hillary Clinton no Departamento de Estado, Patrícia Almego, então coordenadora da Autoridade Central Administrativa Federal da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, disse ser chegada a hora de Goldman “viver em paz com seu filho e viver a vida que ele merece depois de lutar tanto por tantos anos”.

“Eles [David e Sean] precisam, acima de tudo, de tempo, e agora é o governo dos EUA que deve garantir que David Goldman não tenha que enfrentar a família materna outra vez nos tribunais americanos”, diz o texto assinado por Patrícia.

A mensagem está entre as centenas de e-mails da ex-secretária de Estado Hillary Clinton liberados pelo governo americano na última terça-feira (30).

Sean, filho de Goldman com a brasileira Bruna Bianchi, havia embarcado ao Brasil de férias com a mãe em 2004. Poucos dias depois da viagem, porém, Bruna avisou que não iria retornar, e então Goldman começou a brigar na Justiça pela guarda do filho.

Em 2008, com a morte de Bruna no parto da segunda filha, a disputa passou a ser travada entre Goldman e o padrasto da criança, João Paulo Lins e Silva. Após uma intensa batalha judicial, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em dezembro de 2009, que Sean ficasse com o pai.

Na mensagem liberada pelo governo americano, Patrícia, que fala em seu nome “e de toda a equipe da Autoridade Central Administrativa Federal”, pediu desculpas pela forma como ocorreu a entrega no consulado do Rio, na manhã de 24 de dezembro de 2009.

Cercada por repórteres e curiosos, a família materna parou naquele dia o carro a duas quadras do consulado americano e foi caminhando, com o menino, até a entrada principal. Abraçado ao padrasto, Sean chorou na chegada.

O tumulto criou, na época, uma guerra de versões entre o advogado da família, Sérgio Tostes, - que disse que não havia entrada privativa no consulado para evitar o assédio - e a representação americana - que afirmou que a família poderia ter entrado pela garagem, mas optou por não fazê-lo.

No e-mail, Patrícia pede desculpas pela “exposição deplorável da criança”.

“Me desculpem que isso tenha ocorrido dessa forma, mas parece que o sr. Sérgio Tostes, advogado da família materna, não se constrangeu em usar e expor a criança, que estava provavelmente numa situação de profundo estresse, para conseguir apoio para sua posição”, afirmou.

Na mensagem, a coordenadora diz que Tostes não estaria aceitando o fato de “apesar de suas relações de longa data com autoridades influentes no Brasil, não ter sido capaz de ganhar o caso e de Sean estar sendo finalmente reunificado com seu único pai verdadeiro”.

Legalidade

Em nota, o advogado disse ter exercido “com a mais ampla plenitude suas responsabilidades de advogado, dentro dos limites da legalidade e da ética, inclusive e especialmente no episódio da entrega do menino Sean”.

“A determinação judicial de que Sean fosse entregue ao pai, sem que a Justiça brasileira o tenha ouvido diretamente, tal como determinado pelas lei aplicáveis e pela Convenção de Haia, é um triste e lamentável capítulo. Só menos triste do que o que vem acontecendo atualmente: o fato de a família brasileira do menino estar proibida pela Justiça americana de conviver livremente com a criança”, afirmou Tostes.

Procurada pela Folha, a Secretaria de Direitos Humanos sugere que Patrícia falou em seu nome e não em nome do governo brasileiro. “O Brasil apenas se manifesta para governos estrangeiros por meio dos canais diplomáticos oficiais, que não incluem mensagens via e-mail”, diz a secretaria em breve nota.

À reportagem, contudo, Patrícia, que deixou o posto em abril de 2013, afirma ter enviado o e-mail em seu nome e da Autoridade Central, órgão responsável no governo brasileiro por analisar os casos de sequestro internacional de crianças segundo a Convenção da Haia.

“Nós defendíamos, como governo, a restituição da criança aos EUA. Essa foi uma posição absolutamente clara do governo e do secretário [de Direitos Humanos] na época, o Paulo Vannuchi”, afirmou Patrícia à Folha.

“Defendeu-se sim a restituição e a entrega da criança ao pai, porque isso foi como nós nos manifestamos quando o caso ingressou na Justiça, era a posição da AGU (Advocacia-geral da União)”, disse.

Alternativa

Quanto à entrega tumultuada, a ex-coordenadora defende que a família materna teve outra alternativa que não expor Sean à imprensa no dia da entrega. “Foi oferecido carro para levar a criança com segurança ao consulado do Rio.”

Tostes contestou a declaração. “A sra. Lamego não esteve presente em nenhum dos entendimentos acerca da entrega de Sean ao consulado americano, muito menos no ato de entrega da criança. Portanto, não tem conhecimento de causa e falseia a verdade quando afirma que foi oferecido um carro”, disse.

Para ele, a então coordenadora “agiu com excesso” ao enviar um e-mail a assessores em Washington em nome do governo.

Igualdade

Em mensagens encaminhadas a assessores após o e-mail de Patrícia, a secretária de Estado adjunta para assuntos consulares, Janice Jacobs, afirma que a representante brasileira tinha se encontrado com parlamentares americanos em Washington para “explicar tudo o que a Secretaria de Direitos Humanos estava fazendo para devolver Sean a seu pai, segundo a Convenção de Haia”.

Na época, o advogado Sérgio Tostes, chegou a criticar a atuação do governo, em especial, de Vannuchi. “Espero igualdade de tratamento, especialmente do secretário de Defesa dos Direitos Humanos, doutor Paulo Vannuchi, que atuou intensamente, de todas as maneiras, para que o menino fosse devolvido aos EUA”, afirmou o advogado em 24 de dezembro de 2009.

Reação

Diante do texto, recebido por assessores de Hillary como uma mensagem “de coração” da representante brasileira, discutiu-se uma resposta em agradecimento escrita à mão.

“Estou encaminhando para Rob [Robert Russo, secretário de Hillary] e Huma [Huma Abedin, então vice-chefe de gabinete da secretária] para ver se conseguimos redigir essas cartas ainda nesta manhã –podem ser digitadas”, respondeu Hillary, ainda em 24 de dezembro.

Na sequência dos e-mails, a secretária de Estado aproveitou para agradecer aos assessores por seu “ótimo trabalho” naquele ano.

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