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Liberdade de Expressão

Brasil tem portas fechadas em comissão da OEA para denunciar abusos do STF

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Parlamentares viajaram até Washington para relatar abusos do STF contra a liberdade de expressão à Comissão Interamericada de Direitos Humanas (CIDH), que faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA). (Foto: Juan Manuel Herrera/OAS)

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A suspensão de última hora de uma reunião entre parlamentares brasileiros e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) reforça os obstáculos enfrentados pela direita para ser ouvida pela instituição. A comissão justificou o cancelamento mencionando um convite do governo Lula para que o relator especial para liberdade de expressão da CIDH venha ao Brasil dialogar com diferentes atores. Coincidentemente, no mesmo dia em que estava prevista a reunião com parlamentares, a comissão se reuniu com ONGs brasileiras para discutir questões indígenas, também envolvendo debates sobre liberdade de expressão.

Em um dos e-mails enviados aos parlamentares, a CIDH explicou que o cancelamento foi devido ao “recebimento de um convite do governo brasileiro para visitar o país e escutar as mais diversas vozes sobre o tema”. Com passagens já compradas, os deputados federais Bia Kicis (PL-DF) e Marcel van Hattem (Novo-RS), que ainda tiveram as despesas custeadas pela Câmara dos Deputados, e o senador Eduardo Girão (Novo-CE) pressionaram para garantir uma audiência, que acabou sendo realizada, mas a portas fechadas e sem a presença de um representante do Estado brasileiro.

Parlamentares brasileiros têm buscado apoio na esfera internacional desde 2019 para denunciar casos de censura no país. Os deputados levaram à comissão denúncias de abusos em processos em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), com suspensões de contas em redes sociais — afetando parlamentares, influenciadores, jornalistas e até cidadãos comuns.

“O que assistimos foi um enorme desrespeito por parte da CIDH”, afirmou a deputada Bia Kicis. “Ao mesmo tempo em que cancelou uma audiência pública já marcada e confirmada, com missão oficial autorizada e despesas pagas, mantiveram a audiência pública apenas para ouvir um espectro político, justamente os alinhados àqueles que estão sendo acusados de violar os direitos humanos. A nossa audiência foi de portas fechadas”, completa.

CIDH trata parlamentares e ONGs de esquerda de forma desigual

A reunião com os parlamentares estava marcada para o dia 13 de novembro, mas foi desmarcada no dia 28 de outubro, apenas 15 dias antes do encontro. Diante disso, Eduardo Girão apresentou um requerimento de informação ao ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, solicitando detalhes do convite a Pedro Vaca, relator especial de liberdade de expressão. O senador também pediu acesso a trocas de cartas, e-mail e documentos entre o governo Lula e a CIDH relacionados à audiência sobre liberdade de expressão.

De acordo com um ofício recebido pelos parlamentares no dia 8 de outubro, a comissão decidiu agrupar 14 solicitações recebidas relacionadas à liberdade de expressão. A comissão dividiu os requerentes em dois grupos. O primeiro era composto por oito organizações e o segundo grupo incluía os parlamentares brasileiros. Além de Kicis, Van Hattem e Girão, estavam previstos para a reunião – posteriormente desmarcada – a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), o senador Jorge Seif (PL-SC) e Conrado Escher, assessor de Van Hattem.

Enquanto os parlamentares receberam o informativo de suspensão da reunião, cinco das oito organizações previstas para a audiência sobre liberdade de expressão participaram de outra audiência pública, realizada pela CIDH no mesmo dia e local. As entidades que estavam presentes eram ARTIGO 19 – Brasil e América do Sul, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Instituto Vladimir Herzog e Washington Brazil Office.

O documento detalhava como seria feita a distribuição do tempo de fala destinada a cada grupo para facilitar o diálogo. Além da exposição, estava prevista a participação de um representante do Estado Brasileiro e de um representante da Organização das Nações Unidas (ONU).

Enquanto a audiência com as ONGs foi transmitida no canal da CIDH do YouTube, a reunião com os parlamentares ocorreu a portas fechadas, sem a presença de representantes do Estado Brasileiro e sem qualquer possibilidade de registro.

“Como a justificativa que foi dada é que a reunião teria sido suspensa por um convite do governo, eu disse: ‘vocês estão ouvindo mais o abusador, que é o governo brasileiro, do que as vítimas’. Em outra oportunidade, acrescentei que essas ONGs que supostamente defendem a liberdade de expressão no Brasil estão do lado do governo abusador”, relatou Van Hattem em um vídeo gravado logo após a reunião.

"Foi uma reunião um pouco tensa", afirmou Girão

No mesmo vídeo, o senador Girão afirma que “foi uma reunião um pouco tensa”. Ainda segundo o senador, “não é de hoje que eles vêm empurrando a gente com a barriga, é desde 2019. E a gente tem documentos, já tivemos reuniões presenciais e virtuais e um silêncio ensurdecedor da CIDH contra a censura, contra os abusos aos direitos individuais no Brasil, é algo que fala muito”.

A Gazeta do Povo procurou a CIDH, que reiterou que a suspensão da audiência aconteceu "após ter recebido um convite do Estado brasileiro, no dia 24 de outubro de 2024, para visitar o país". Segundo eles, o órgão se reuniu com "as organizações da sociedade civil no dia 12 de novembro e com parlamentares no dia 15 de novembro pelo mesmo período de tempo". A CIDH ainda acrescentou que já havia realizado reuniões anteriores com os parlamentares para discutir o tema durante o ano de 2024.

“Citamos algumas violações, como a investigação de um deputado, por uma denúncia feita da tribuna do parlamento”, comenta Kicis. A deputada se refere a intimação recebida por Marcel van Hattem, no dia 15 de outubro, pela Polícia Federal, a mando do Supremo Tribunal Federal, após ele afirmar que estava sendo perseguido pelo ministro Flávio Dino e por integrantes da própria Polícia Federal. A declaração de Van Hattem foi feita na tribuna da Câmara dos Deputados, o que caracteriza que a intimação recebida é uma violação da imunidade parlamentar, prevista pelo artigo 53 Constituição Federal. O dispositivo protege os parlamentares de responsabilização por opiniões, palavras e votos no exercício do mandato.

“A comissão tem se mostrado alheia à usurpação dos poderes do Parlamento pelo STF, ao desrespeito à imunidade parlamentar, às prisões por perseguições políticas e muito mais. Durante a audiência, instei os delegados daquela comissão a fazerem o seu trabalho, a fim de permitirem que nós, parlamentares, possamos fazer o nosso!”, afirma Kicis.

Comissão tem papel importante na defesa dos direitos humanos

A presença do Estado Brasileiro, o que não houve na reunião com os parlamentares, é fundamental durante as reuniões da CIDH. Isso porque a comissão foi criada com o objetivo de investigar possíveis violações de direitos humanos pelos Estados membros. A CIDH atua como mediadora entre as vítimas e os governos acusados de promover ou permitir essas violações.

Periodicamente, a comissão realiza audiências públicas sobre temas sugeridos pela sociedade por meio do site oficial do órgão. Os membros da comissão também realizam visitas in loco para avaliar as condições relatadas. Com base no material levantado, a CIDH elabora recomendações para que os Estados adotem medidas que solucionem os problemas identificados. Essas recomendações são historicamente adotadas pelos países membros. No caso do Brasil, a criação da Lei Maria da Penha, por exemplo, foi fruto de uma recomendação feita pela CIDH para enfrentar a violência doméstica no país.

Caso os Estados membros não sigam as recomendações, a CIDH pode levar os casos à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Diferentemente da comissão, a Corte é um órgão judicial com autoridade para aplicar sanções contra os países que descumprirem suas obrigações no âmbito dos direitos humanos.

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