Em dezembro de 2020, o cabo da Polícia Militar Derinaldo Cardoso dos Santos, de 34 anos, foi baleado ao tentar impedir um assalto a uma loja no centro da cidade de Mesquita, no Rio de Janeiro, e não resistiu aos ferimentos. O policial deixou a esposa e dois filhos. O caso ocorreu dois meses depois da publicação de um vídeo gravado pelo cabo em que ele desabafava após o assassinato do sargento Cirio Damasceno Santos, de 51 anos, que morreu após ser baleado na cabeça durante uma operação policial na Zona Norte do Rio.
Um mês antes, outro policial, o cabo Clodoaldo Mendes Junior, foi morto a tiros ao chegar em sua casa em Porto Seguro, no sul da Bahia. Seis criminosos estavam envolvidos no assassinato. Segundo a Polícia Militar, o crime teria ocorrido em retaliação a operações policiais realizadas na cidade, que resultaram na apreensão de várias armas.
Os três casos são contabilizados em um levantamento feito pelo Instituto Monte Castelo – um centro independente de pesquisa em políticas e legislação pautado pela defesa da vida, da liberdade e da responsabilidade – e obtido com exclusividade pela Gazeta do Povo, que trata dos assassinatos de policiais no Brasil em 2020. Segundo o estudo, no ano passado pelo menos 176 policiais (148 militares e 28 civis) perderam a vida em serviço ou em decorrência da função.
O número equivale a 0,83 morte de policial para cada um milhão de habitantes no país, e coloca o Brasil em desvantagem com relação a outras nações, como a Argentina, que possui 0,48 morte de agentes para cada um milhão de habitantes.
“Os números dos óbitos não permitem o diagnóstico completo do cenário. Para cada policial morto em combate, há vários outros com ferimentos graves, muitas vezes com sequelas permanentes. Há, ainda, aqueles que morreram em decorrência das sequelas. Então, esse número deve ser ainda maior”, diz Olavo Mendonça, especialista em segurança pública, membro do Instituto Monte Castelo e major da Polícia Militar do Distrito Federal.
RJ tem mais mortes em números proporcionais e SP lidera em números absolutos
Do total de agentes assassinados no ano passado, o Rio de Janeiro (2,53 mortes de policiais por 1 milhão de habitantes) é o estado que possui a maior taxa de óbitos proporcionalmente à sua população, seguido de Pará (1,49); Sergipe (1,29); Tocantins (1,25); e Piauí (1,21). Nos estados do Acre, Amapá, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Roraima, entretanto, não foram registradas mortes violentas de policiais em serviço durante o período.
Quando se trata de números absolutos, São Paulo ocupa o posto de estado com mais policiais assassinados – 49 no total, entre militares e civis. Em seguida estão Rio de Janeiro (39); Pará (13); Bahia e Ceará (ambos com 10).
Os dados do levantamento se baseiam em informações oficiais fornecidas pelas Secretarias de Segurança Pública de 22 unidades da federação. Em cinco estados (Piauí, Mato Grosso do Sul, Paraná, Amazonas e Rondônia), os órgãos oficiais não forneceram o total de óbitos registrados em 2020. Nesses casos, o levantamento foi feito com base em notícias publicadas por veículos locais e corroboradas pelos órgãos policiais.
* Os números não incluem policiais reformados (aposentados) ou que tenham sido mortos em outras circunstâncias, como acidentes de trânsito ou crimes passionais.
Crime organizado é o principal responsável pelo alto número de policiais assassinados no Brasil, dizem especialistas
Na comparação com outras nações, como Argentina, Estados Unidos, Reino Unido e França, a taxa de assassinato de integrantes de forças policiais no Brasil é consideravelmente maior. A taxa brasileira, de 0,83 morte de policial para cada um milhão de habitantes, é 72,4% maior do que a Argentina (0,48) e quase 6.000% maior do que o Reino Unido (0,014).
Para Olavo Mendonça, a estruturação do crime organizado no Brasil é o que mais contribui para o alto número de policiais assassinados no país, bem como para a discrepância com relação a outras nações. Para ele, o problema das mortes violentas de policiais passa pelas esferas ativa e passiva. “A ativa é o poder que o crime organizado tem no Brasil, inclusive o poder de dominar regiões inteiras na periferia no Rio de Janeiro, por exemplo”, diz o especialista em segurança pública. “O poder de fogo que utilizam principalmente em ações como assaltos a bancos ou a carros fortes é muito alto. São ações terroristas, financiadas pelo crime organizado. E apesar de graves, a polícia sempre responde a esses crimes, muitas vezes estando em menor número e menos equipada”.
Quanto à esfera passiva, Mendonça aponta a ausência de políticas públicas, que se prolonga há décadas, capazes de combater o crime organizado, o tráfico internacional de drogas e a impunidade. “Essa ausência completa do Estado agravou o cenário a ponto de hoje haver no Brasil narcoterritórios onde nem a polícia entra”.
Ricardo Ferreira Gennari, especialista em Segurança Pública, endossa o fator “crime organizado” como principal componente para a violência contra policiais no país. “O Brasil é um país com alta pobreza, e muitas vezes isso é um motivador para a violência. Mas há também maior movimentação do crime organizado, de crimes envolvendo bilhões. Quando se fala em PCC [Primeiro Comando da Capital], por exemplo, não se fala mais em milhões, mas sim em bilhões”, aponta. “No enfrentamento direto, os policiais estão perdendo, pois se tratam de criminosos com alto poder de fogo, de logística e de inteligência”.
Para Gennari, a impunidade acaba contribuindo para perpetuar o cenário de violência. “A Justiça corrobora para esse enfraquecimento da polícia e favorece o criminoso, principalmente quando é menor de idade. Esse é o problema da impunidade, e o próprio Código Penal favorece muito isso”.
Os pesquisadores do Instituto Monte Castelo reforçam a importância do endurecimento de penas para que se possa coibir os crimes. “Não há outro caminho para reduzir esse problema, senão o do endurecimento das penas para criminosos de todos os tipos, especialmente os reincidentes e os que têm envolvimento com o crime organizado”, cita trecho do relatório da pesquisa.
Mudanças qualitativas nas corporações poderiam reduzir assassinatos de policiais e letalidade
No relatório, os pesquisadores também apontam o investimento em tecnologia como essencial para aumentar a efetividade do trabalho dos investigadores e, assim, reduzir os índices de impunidade do Brasil.
As fontes ouvidas pela reportagem destacam que o investimento em tecnologia e melhoria de equipamentos, treinamento e remuneração contribui tanto para a redução das mortes de policiais militares e civis quanto para a redução da letalidade de civis ocasionada por agentes das forças de segurança. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019 houve 6.357 mortes causadas por intervenção policial – um aumento de 3% na comparação com 2018.
“Se há equipamentos adequados – tanto meios tecnológicos quanto armamentos –, treinamento continuado e remuneração adequada, que seja equivalente ao serviço que é prestado, automaticamente, vai ter uma boa polícia”, afirma Mendonça. “É muito difícil fazer segurança pública sem as condições mínimas necessárias. Em muitos estados passou da hora de fazer essas mudanças qualitativas. A polícia vai ficando ineficaz, desqualificada, tendo problemas de violência, corrupção... E aí a sociedade passa a defender menos a polícia e entra-se num ciclo vicioso”.
Gennari afirma que o reflexo da falta de formação e de treinamento continuado é tanto o alto número de agentes mortos em serviço quanto a letalidade policial. “Tivemos casos em que o policial não sabia manusear bem a arma que estava portando. Isso é uma questão muito grave. Arma é treino e, se não treina, não tem aptidão, não tem segurança. E treino é custo, e o Estado não quer pagar por isso”, observa. “Conheço vários policiais que treinam com dinheiro próprio, com munição própria. Isso não pode acontecer. O policial tem que estar muito bem preparado, porque estamos falando de vidas”, ressalta.
Soraya Thronicke quer regulamentação do cigarro eletrônico; Girão e Malta criticam
Relator defende reforma do Código Civil em temas de família e propriedade
Dia das Mães foi criado em homenagem a mulher que lutou contra a mortalidade infantil; conheça a origem
Rotina de mães que permanecem em casa com seus filhos é igualmente desafiadora