O Brasil bateu seu recorde de homicídios em 2014. Foram 59.627 registros no ano, número que representa mais de 10% dos homicídios registrados no mundo e torna o País campeão mundial de assassinatos, em números absolutos. Os dados do Atlas da Violência 2016 foram divulgados na manhã desta terça-feira, 22, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
A taxa obtida pelos pesquisadores é de 29,1 homicídios por 100 mil habitantes. A Organização das Nações Unidas (ONU) classifica como epidêmica a situação de locais onde a taxa registrada é superior a 10 homicídios por 100 mil habitantes.
Para os pesquisadores, o número de mortes verificadas em 2014 consolida uma mudança de nível desse indicador, que se distancia do patamar de 48 mil a 50 mil homicídios, que aconteceram entre 2004 e 2007, e das 50 mil a 53 mil mortes, registradas entre 2008 a 2011.
Pior no interior
Segundo o Atlas, desde 2008 vem se consolidando no país o que é chamado de “interiorização” dos crimes, que tem avançado de forma desigual em pequenas cidades do interior do país e no Nordeste, fazendo cada vez mais vítimas entre jovens e negros.
O Atlas observa o crescimento galopante das taxas de homicídios em 20 microrregiões do país que, no início dos anos 2000, eram considerados locais pacíficos. Senhor do Bonfim, na Bahia, que lidera o ranking, registrou em dez anos (de 2004 a 2014) uma variação do número de homicídios de 1.136% -as microrregiões de Serrinha e Santo Antônio de Jesus, ambas na Bahia, estão na segunda e terceira posição, respectivamente.
A microrregião mais violenta do país, contudo, continua a ser a área metropolitana de São Luís, no Maranhão, cuja taxa de homicídio chega a quase 85 por 100 mil habitantes. “Todas as cidades que têm um crescimento acelerado, registra-se também o aumento da violência. O estudo mostra uma relação entre condições urbanas e violência”, ressalta o vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Renato Sérgio de Lima.
Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea e um dos autores do Atlas, elenca outros fatores: a subcultura da violência, presente cada vez mais no cotidiano de jovens das pequenas cidades, tornando-se um fator de difícil reversão, e a dificuldade de se criar em âmbito federal um pacto nacional para reduzir os homicídios.
Os governos Lula e Dilma Rousseff tentaram, mas fracassaram na criação de um pacto ou programa federal para enfrentar a violência.
Detalhes
A pesquisa classifica os dados como uma “tragédia” que traz implicações na saúde, na dinâmica demográfica e, em consequência, no processo de desenvolvimento econômico e social. Das mortes de homens na faixa etária de 15 a 29 anos, 46,4% são ocasionadas por homicídios. A situação fica ainda mais grave na análise dos assassinatos de homens com idade entre 15 e 19 anos: o indicador passa para 53%.
São Paulo é o estado com maior redução na taxa de homicídios, com queda de 52,4% entre 2004 e 2014. Outros sete Estados apresentaram redução no indicador no mesmo intervalo: Rio de Janeiro (-33,3%), Pernambuco (-27,3%), Rondônia (-14,1%), Espírito Santo (-13,8%), Mato Grosso do Sul (-7,7%), Distrito Federal (-7,4%) e Paraná (-4,3%).
Negros x brancos
O estudo constatou que há maior probabilidade de uma pessoa afrodescendente ser assassinada no país. No período analisado, foi registrado crescimento de 18,2% na taxa de homicídio de negros e pardos, enquanto houve redução de 14,6% na taxa de pessoas brancas, amarelas e indígenas. Em 2014, para cada não negro que sofreu homicídio, 2,4 indivíduos negros foram mortos.
Segundo o estudo, a “questão da violência por raça toma proporções inacreditáveis”. Em 2014, ao mesmo tempo em que Alagoas era o segundo Estado com menor taxa de homicídio de não negros (7,8 por 100 mil indivíduos não negros), era também a unidade federativa com maior taxa de homicídio de negros (82,5). Para cada não negro assassinado, outros 10,6 negros eram mortos, em 2014, em Alagoas.
Na análise por microrregiões, as maiores quedas nas taxas de homicídio ocorreram nas localidades com maior população, enquanto os maiores aumentos acontecerem em localidades com menor povoamento. Entre 2004 e 2014, a maior diminuição da taxa foi observada na microrregião de São Paulo (-65%), com quase 15 milhões de habitantes, ao passo que a microrregião de Senhor do Bonfim, situada na Bahia, teve aumento de 1.136,9%.
Feminicídio?
Em 2014, 4.757 mulheres foram vítimas de mortes por agressão. O número equivale a 13 mulheres mortas por dia no país. Os três Estados com maiores taxas de letalidade contra as mulheres foram Roraima (9,5), Goiás (8,8) e Alagoas (7,3).
Letalidade Policial
Elaborado a partir de dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, que foram cruzados com informações do anuário feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Atlas da Violência 2016 faz uma crítica à constante subnotificação de casos envolvendo letalidade policial -um problema, segundo o estudo, nacional.
“No caso de mortes causadas por agentes do Estado em serviço, poderia-se esperar que os responsáveis fossem, em princípio, identificados”, registra o Atlas, mas eles não são – ou não são como deveriam, ressaltam os pesquisadores responsáveis.
Os Estados que registraram em 2014 o maior número de mortes por intervenções policiais foram São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
“O Brasil precisa urgentemente de um padrão nacional, ainda inexistente, para se contabilizar os homicídios. Em relação à letalidade policial, o trabalho mostra a dificuldade dos governos e das polícias de prestar contas. A ideia de transparência acaba sendo confundida”, finaliza o vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Renato Sérgio de Lima.
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