Casal gay adota 4 crianças

Suelem abandonou o tratamento com gardenal e as sessões com psicólogo. Caroline, que até a terceira série não sabia ler ou escrever, agora tira notas 9 ou 10. Willian, hoje viciado em videogame, até pouco tempo não sabia manejar nem o controle remoto da televisão. Beatriz, vítima de maus-tratos ainda bebê, anda para cima e para baixo com um cãozinho que cuida como se fosse seu filho.

Irmãos abandonados há quatro anos num abrigo de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, Suelem, de 12 anos, Caroline, 10, Willian, 7, e Beatriz, 5, tiveram seus destinos transformados desde que foram adotados pelo casal de cabeleireiros João Amâncio, 35 anos, e Edson Torres, 43 anos. Homossexuais, juntos há 17 anos, eles passaram a figurar na identidade dos quatro como pais legítimos quando conseguiram a guarda definitiva, em janeiro.

A vida em família tem ajudado a apagar as desilusões da época do abrigo. Em épocas de Natal, Páscoa e férias, os irmãos se arrumavam e ficavam na varanda à espera de quem aceitasse levá-los para casa. Então com 3 e 5 anos, Willian e Beatriz passavam temporadas com pais voluntários, o que normalmente não acontecia com Suelem e Caroline, já com 10 e 8 anos.

Do outro lado da cidade, Amâncio conversava com o namorado sobre adotar um filho. Pai biológico de duas moças e um rapaz, frutos de dois casamentos, Torres relutou, mas aceitou a ideia. O que Suelem mais queria era que ela e os irmãos fossem adotados pela mesma família, até que Amâncio a interrompeu, dizendo a ela que aceitasse a adoção apenas dos menores, que seria melhor para eles.

"Achei que o tio estava certo. Daí escrevi para o juiz dizendo que não me importava com a separação", lembra ela. "O juiz me contou da carta de Suelem, olhei para a cara do Torres, virei para ele disse: se o senhor deixar, fico com essas quatro crianças. Meu pai teve 15 filhos e ninguém virou marginal", conta Amâncio. Em dezembro de 2006, o juiz Paulo Cesar Gentile concedeu a guarda provisória, e as quatro crianças seguiram para a nova casa.

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Só 1% dos brasileiros maiores de 16 anos não têm preconceito contra homossexuais. Entre 26% e 29% assumem não gostar de gays, lésbicas, travestis ou transexuais. Os demais até disfarçam, mas 99% caíram na malha fina de uma pesquisa nacional feita pelas fundações Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores, e Rosa Luxemburg. O governo federal usará o levantamento para planejar novas políticas, e alerta que já detectou um desdobramento sombrio de tanto preconceito: a intolerância.

Em 2008, a cada três dias detectou-se pelo menos um crime de ódio por orientação sexual no país, segundo o programa federal Brasil Sem Homofobia. Há intolerância dentro de instituições públicas, principalmente nas polícias. Além da violência física, o preconceito tem criado barreiras na educação e na saúde públicas. "O que mais chama a atenção na pesquisa é a quantidade de brasileiros que admitiu preconceito contra homossexuais. Em duas pesquisas anteriores, 4% admitiram ter preconceito contra negros (2003) e também 4% contra idosos (2006)", disse o professor de sociologia da Universidade de São Paulo Gustavo Venturi, coordenador das três pesquisas.

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A pesquisa sobre homofobia, que ouviu 2.014 brasileiros em 150 cidades, fez um retrato do preconceito em três dimensões: o assumido, o disfarçado e o "dos outros". Entre os preconceituosos assumidos, 16% admitiram ter forte preconceito, ao ponto de considerarem os homossexuais como "doentes", "safados" ou "sem caráter". Os preconceituosos disfarçados negaram, mas, ao longo das entrevistas, de mais de uma hora, acabaram dando respostas no mínimo politicamente incorretas sobre todos os segmentos. Mesmo quando diziam não ter nada contra a opção sexual de outras pessoas, admitiam, por exemplo, que não gostariam de trabalhar, ou ter um vizinho, ou se relacionar com um médico ou professor homossexual.

Já no momento de analisar a sociedade em que vivem, entre 91% e 93% consideraram que o brasileiro é preconceituoso com os homossexuais e transexuais. Mais de 70% consideraram que esse preconceito é forte. As expressões de preconceito foram detectadas na escolha, em diferentes graus de concordância, de frases como "Deus fez o homem e a mulher com sexos diferentes para que cumpram seu papel e tenham filhos" (92% concordaram), ou "A homossexualidade é um pecado contra as leis de Deus" (66% de concordância) e ainda "A homossexualidade é uma doença que precisa ser tratada" (40% admitiram pensar assim).

As manifestações de preconceito partem de todas as faixas de escolaridade, de renda, de todas regiões do país e de diferentes religiões: católicos, evangélicos, umbandistas. Para 70% dos entrevistados, o governo não deve se envolver na situação. "Não há como não se envolver, porque a intolerância tem se manifestado em crimes, inclusive cometidos por agentes de estado", disse Paulo Biagi, coordenador do programa Brasil Sem Homofobia, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

Segundo Biagi, com a pesquisa (custeada principalmente pela Fundação Perseu Abramo) a base do governo no Congresso está se rearticulando em torno do projeto de lei número 122, que transforma a discriminação a homossexuais e transexuais em crime inafiançável, nos moldes da Lei do Racismo. Em maio, o governo lançará o Plano Nacional de Promoção da Cidadania LGBT. Serão várias ações, centradas principalmente em saúde, educação e justiça. Além disso, ainda neste semestre o Brasil participará, com mais dez países latinos, de uma campanha de combate à homofobia em rádio e televisão.