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Um grupo de 19 juristas e professores brasileiros (veja a lista no fim da matéria) atuou no processo em que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, em 24 de junho, pela derrubada da decisão Roe v. Wade, de 1973, que impedia que os estados norte-americanos restringissem o aborto. Na prática, o entendimento anterior legalizava o procedimento em todo o país.
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A histórica decisão da Corte norte-americana não significou uma proibição ao aborto no país, mas a concessão de autonomia para que cada estado regule sua legislação sobre o tema como preferir. Até então, estados que buscavam criar leis mais restritivas ao aborto eram impedidos pela decisão que vigorava na instância máxima da Justiça dos EUA.
Os brasileiros atuaram na qualidade de amicus curiae (isto é, “amigo da corte”, responsável por fornecer subsídios e embasamento técnico às decisões do tribunal) dentro de um grupo maior de 141 juristas de diversos países, como Alemanha, Estados Unidos, Espanha, Reino Unido, Coreia do Sul, Argentina e Chile. Compõem o grupo ex-juízes, servidores da justiça, reitores de universidades e docentes de Direito.
A comissão de juristas elaborou um parecer encaminhado à Suprema Corte, no qual defende a lei do estado do Mississipi, que se tornou o objeto do processo. A Corte julgava a constitucionalidade da lei, aprovada no estado em 2018, que proibia o aborto a partir da 15ª semana de gestação, com exceções para emergências médicas ou anormalidades fetais graves. A lei, portanto, ia contra a decisão anterior da Corte, de cinquenta anos atrás.
Para juristas brasileiros, decisão deve influenciar outras nações
A doutora em Filosofia do Direito Angela Vidal Gandra Martins, que é secretária nacional da Família no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), é uma das representantes brasileiras que assinaram o parecer utilizado pela Suprema Corte. Ativista pela defesa da vida e professora de Direito, a jurista também é membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp) – entidade que atua como amicus curiae em ações judiciais relacionadas ao aborto.
“Essa decisão é uma luz para o mundo em termos de direitos humanos. Ao meu ver, o direito à vida não está no plano da discussão. É um direito constitutivo do ser humano; ele tem que ser reconhecido, não atribuído”, diz Angela. “Para nós foi uma grande vitória e motivo de muita esperança de que isso seja uma luz para vários países, inclusive para o nosso”, afirma.
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A doutora em Direito Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), é outra representante brasileira que assina o documento. Para ela, o parecer tem a importância de mostrar que há um número expressivo de juristas no mundo todo que são contrários ao aborto com fundamentos de ordem constitucional.
“Temos dois direitos em choque: o direito à liberdade da mulher e o direito à vida do nascituro. Porém não há ponderação para o direito à vida – tal direito se sobrepõe em qualquer circunstância. O argumento do direito à liberdade sobre o corpo para abortar não corresponde ao sistema jurídico dos países civilizados”, afirma Regina. “Então, o que se espera é que a partir dessa nova decisão da Suprema Corte haja influência nas legislações dos estados norte-americanos que, ao que tudo indica, endurecerão suas normas contrariamente ao aborto”, destaca.
A jurista avalia que a decisão da instância máxima da Justiça dos Estados Unidos também tende a refletir em decisões semelhantes em outros países, no sentido de endurecer a legislação contrária ao aborto. “É muito significativa uma decisão como essa ocorrendo em um país que, via de regra, serve como exemplo e referência a tantos outros países. Essa decisão deverá gerar reflexos em outros países, incluindo o Brasil”.
No Supremo Tribunal Federal (STF), há uma ação em curso (ADPF 442) ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Tanto a ADFAS, da qual Regina é presidente, como a Ujucasp, da qual Angela Gandra é membro, atuam como amicus curiae nesta ação.
Além dessa, uma nova ação relacionada ao aborto chegou ao STF na semana passada. Quatro entidades pró-aborto acionaram o Supremo para suspender a nota técnica do Ministério da Saúde sobre a atenção aos casos de aborto. O ministro Edson Fachin foi designado o relator da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 989 e já pediu informações ao ministério e à Presidência da República sobre o caso.
Direito internacional não reconhece aborto como direito humano, defendem juristas
No parecer elaborado, os juristas argumentam que não há, no direito internacional, convenções ou tratados que reconheçam o chamado “direito humano” ao aborto, e que os estados norte-americanos têm o direito soberano, de acordo com a lei internacional, de proteger a vida do nascituro.
“Aqueles que buscam inventar um novo direito ao aborto erram ao interpretar instrumentos internacionais importantes, como a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, o Estatuto de Roma e a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento. A linguagem clara nesses documentos desafia qualquer tentativa de redirecioná-los para criar um direito humano
internacional ao aborto”, dizem os juristas.
“Por outro lado, as disposições que reconhecem o nascituro como titular de direitos podem ser encontradas em muitos instrumentos internacionais de direitos humanos, incluindo a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos”, prosseguem os signatários.
Mais à frente, o texto destaca que, numa visão comparativa das leis sobre aborto, os Estados Unidos estavam, até então, fora de sintonia com a maioria dos países, figurando entre os mais permissivos do mundo. “Caso a Corte julgue útil considerar o direito internacional neste caso, verificará que existe uma obrigação positiva de salvaguardar os nascituros como titulares de direitos. Consistente com essa obrigação, a maioria dos países rejeita o aborto sob demanda”, destacam os juristas.
Veja abaixo a relação de juristas e professores brasileiros que assinaram o parecer:
1. Glauco Barreira Magalhães Filho - Universidade Federal do Ceará (UFC)
2. Rodrigo Otávio Bastos Silva Raposo - Universidade Federal do Maranhão (UFM)
3. Adriano Broleze - PUC Campinas
4. Ricardo Gaiotti Silva - Claretiano Centro Universitário
5. Angela Vidal Gandra Da Silva Martins - Universidade Mackenzie
6. Ives Gandra Da Silva Martins - CEU Law School
7. Milton Gustavo Vasconcelos Barbosa - Universidade Estadual do Piauí (UESPI)
8. Roberto Pinheiro Campos Gouveia Filho - Universidade Católica do Pernambuco (Unicap)
9. Jean Marques Regina - Universidade Luterana do Brasil (Ulbra)
10. Ana Luiza de Morais Rodrigues Braga - Universidade São Judas (USJT)
11. Marcus Paulo Rycembel Boeira - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
12. Victor Sales Pinheiro - Universidade Federal do Pará (UFPA)
13. Marcel Edvar Simões - Universidade Paulista (Unip)
14. Elton Somensi de Oliveira - PUC Rio Grande do Sul (PUCRS)
15. José Tadeu de Barros Nóbrega - Universidade Paulista (Unip)
16. Venceslau Tavares Costa Filho - Universidade Federal do Pernambuco (UFPE)
17. Regina Beatriz Tavares da Silva - Centro Universitário 7 de Setembro
18. Thiago Rafael Vieira - Universidade Luterana do Brasil (Ulbra)
19. Rafael Vieira de Azevedo - Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)