Patrimônio cultural da humanidade, Brasília tem a maior renda per capita do País, mas não sabe cuidar do próprio lixo. Até o fim deste mês, o governador Agnelo Queiroz (PT) pretende fechar o lixão da Estrutural, uma vasta área a 16 km do Palácio do Planalto, inundada diariamente pelos resíduos sólidos despejados pelos 2,8 milhões de habitantes do Distrito Federal.
Em uma corrida contra o tempo para cumprir o prazo fixado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, que determina o fim dos lixões para agosto, Brasília esbarra em uma série de dificuldades: a coleta seletiva é incipiente, a licitação do novo aterro sanitário foi contestada pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) e sobram incertezas sobre o futuro dos catadores com o lixão desativado.
"Do jeito que as coisas estão hoje, não tem como parar isso aqui", diz o catador de lixo José Patrício, de 42 anos, que recolhe garrafas PET e papel que lhe garantem uma renda de R$ 500 por mês. Perdeu a mulher em dezembro de 2012 - ela foi atingida por uma carreta, enquanto trabalhava no local.
Todos os dias, o lixão da Estrutural recebe, em média, 2,7 mil toneladas de resíduos orgânicos e 6 mil toneladas de resíduos da construção civil.
Oficialmente, 1.200 catadores estão cadastrados, mas o Estado apurou que o número total de pessoas que tiram o sustento dali deve superar 2 mil. "O governo não está nem aí para nós, vamos ficar todos desempregados", reclama o catador Francisco Bernardino, de 42 anos, que trabalha há duas décadas recolhendo sucata, acompanhado dos quatro irmãos, do pai e da mãe. Quando falou com a reportagem, usava jaqueta, camisa, luvas, bota e óculos Ray-Ban, tudo achado no próprio lixão.
"As pessoas acham a nossa realidade degradante, mas se esquecem de que também são responsáveis. Quantas fazem a coleta seletiva? E o que dizer daqueles que atiram lixo nas ruas?", questiona Bernardino.
Prazo
Até 2 de agosto, o governo do DF pretende cumprir a Política Nacional de Resíduos Sólidos. O investimento previsto para os próximos cinco anos, com o início da operação de um aterro sanitário, deve chegar a R$ 150 milhões. A reportagem visitou a obra na sexta-feira, quando o terreno ainda estava passando pela terraplanagem. "É um processo lento (de adaptação à lei), não se fecha um lixão de um dia pro outro, mas o processo já foi iniciado, com a adoção da coleta seletiva", diz o diretor adjunto do Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal (SLU), Hamilton Ribeiro.
De acordo com o diretor-geral, o aterro sanitário será "tecnicamente muito superior" ao lixão: os resíduos serão prensados e isolados com mantas para evitar o odor, o solo será impermeabilizado para evitar contaminação, o chorume será tratado e não haverá incineração. O espaço, que ocupará uma área de 30 hectares, poderá receber até 68 mil toneladas de lixo por mês. As autoridades brasilienses pretendem transferir os catadores para 12 centros de triagem, mas nenhum deles está pronto - foram instaladas tendas provisórias no lixão.
Para o professor Gustavo Souto Maior, do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB), o lixão da Estrutural é a "maior vergonha ambiental, sanitária e social" do Distrito Federal. "É muito fácil colocar no papel (que os lixões deverão acabar em agosto de 2014). Falta interesse político, porque isso não dá voto pra ninguém, e os municípios não tem expertise nem dinheiro", comenta.
"O governo do DF não vai conseguir inaugurar o aterro sanitário nos próximos meses, as obras estão atrasadíssimas. Se Brasília, capital da República, onde se tem dinheiro a rodo, não consegue cumprir a lei, imagina os milhares de municípios brasileiros que vivem de colocar lixo em qualquer lugar."
Exemplos como o de Brasília não são raros no País. De acordo com levantamento do ano passado da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), 40% do resíduo coletado no País era destinado irregularmente. Ou seja, ia para lixões. Outras capitais, como Goiânia (GO) e São Luís (MA), enfrentam o mesmo problema.
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