Setor de radioterapia do Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba: aparelho encomendado em 2009 só chegará em julho| Foto: Daniel Derevecki/Gazeta do Povo

Interrupção reduz possibilidade de cura

A radioterapia já se tornou a principal aliada da cirurgia na luta contra o câncer, podendo até substituí-la, como no caso do câncer de próstata. "A cirurgia é capaz de extirpar a parte macroscópica do tumor, mas só a radioterapia pode destruir as células cancerígenas que ficaram e evitar a recidiva da doença", explica o oncologista José Carlos Gasparin de Oliveira, chefe do Setor de Radio­terapia do Hospital e Maternidade Angelina Caron.

Para que o tratamento tenha eficácia, porém, ele não pode ser interrompido. Segundo a superintendente de enfermagem do Hospital Nove de Julho, em São Paulo, Sylvia Diegues, são dois os tipos de tratamentos radioterápicos: o curativo (com chances de cura) e o paliativo (onde a sessão tem a função apenas de atenuar os sintomas da doença em estágio avançado). "Quando o doente do primeiro grupo interrompe o tratamento, cada dia a mais de intervalo aumenta a chance de que ele venha a passar para o segundo grupo, ou seja, a chance de cura diminui", afirma Sylvia.

Para a médica, que estudou as causas da interrupção do tratamento em São Paulo, o custo elevado da manutenção dos aparelhos é o principal inimigo dos doentes. Em dias de semana, a manutenção das peças tem um preço. Nos fins de semana, o valor pode dobrar. Logo, a alternativa é interromper um dia de tratamento, durante a semana, para evitar um rombo em um orçamento já deficitário.

"Esse é um dia perdido para o paciente. E isso quando a manutenção é apenas preventiva, ou seja, tem o objetivo de detectar futuros problemas. Quando ela é corretiva, esse tempo pode durar semanas", explica Sylvia.

O servidor público Renato Koladicz viveu a angústia de ver o tratamento de um câncer no esôfago ser interrompido ainda na primeira semana, por causa da manutenção de um aparelho no Erasto Gaertner. A espera durou 21 dias. "Fiquei preo­­cupado, pois 21 dias po­­dem fazer a diferença entre a vida e a morte." Retomadas as sessões, Koladicz sente alívio, mas apreensão. "É preciso ter mais sensibilidade. Os hospitais e os pacientes não podem viver à mercê da burocracia e de uma meia dúzia de empresas." (VP)

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Em 2010, mais de 100 mil pes­soas doentes de câncer ficarão sem radioterapia no Brasil. Os dados são da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e alertam para um problema comum no Brasil: faltam equipamentos da modalidade terapêutica nos cerca de 180 centros de referência em radioterapia no país. Além dos excluídos, quem já é contemplado pelo serviço eventualmente é prejudicado pelo número escasso de aparelhos – são 209 em todo o país, mas seriam necessários pelo menos 365, segundo estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

A burocracia para importar e colocar os equipamentos em funcionamento, além do alto custo de aquisição e manutenção, são apontados como as principais causas da falta de ampliação do serviço. Hoje, nenhuma das peças que compõem os aparelhos é fabricada no país. O processo de importação é moroso e pode levar até quatro meses. Adquirir um equipamento de ponta não sai por menos de R$ 1,5 milhão e a fabricação só começa depois do pagamento. As altas taxas de impostos contribuem para o preço salgado: equivalem a 47% do valor total.

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Atraso

O Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba, de caráter filantrópico e considerado centro de referência em tratamento oncológico na Região Sul, é uma das instituições que sentem essa morosidade: um aparelho encomendado no fim do ano passado está previsto para chegar apenas em julho. Para entrar em funcionamento, precisa ainda de uma autorização da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), processo que demora em média dois meses.

Enquanto o aparelho não chega, 100 pessoas esperam na fila. "Quando a doença está em atividade, o início da radioterapia é imediato. Caso contrário, ela é feita por precaução, e nesse caso o paciente pode esperar mais para iniciar o tratamento. De qualquer forma, ele poderia ser iniciado antes, não fosse a burocracia e a falta de dinheiro", lamenta a oncologista Claudiane Minari, coordenadora-geral do hospital.

Para o presidente da SBRT, Carlos Manoel Mendonça Araújo, a solução para encurtar esse tempo e obter equipamentos mais em conta passa pelo incentivo à instalação das empresas fabricantes no país. "Os impostos de importação são altíssimos. Se você compra um aparelho de R$ 1 milhão, só de impostos você vai pagar R$ 470 mil", afirma. "Isso diminui a oferta da radioterapia, pois nem os hospitais privados se interessam por ofertar um serviço que custa tão caro".

Araújo diz que a falta de incentivos fiscais por parte do governo federal fez com que duas empresas, a sueca Elekta e a norte-americana Varian, preferissem abrir filiais na China. "Nos procuraram há quatro anos, mas não houve acordo. Preferiam o Brasil, pelo fato de sermos uma democracia consolidada e respeitarmos contratos, mas não houve interesse do governo", lamenta.

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