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Caça a pedófilos e imersão na ‘loucura’: a rotina de quem investiga crime cibernético no PR

Delegado Demetrius Gonzaga, 11 anos à frente do Nuciber. | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Delegado Demetrius Gonzaga, 11 anos à frente do Nuciber. (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)

Em pouco mais de uma década, o volume e o perfil das investigações do Núcleo de Combate aos Cibercrimes (Nuciber) da Polícia Civil mudaram. A primeira unidade do país dedicada a crimes na internet completa em novembro 11 anos com um volume de trabalho 56 vezes maior. “Quando começamos, eram 166 processos. Hoje, não conseguimos baixar de 10 mil”, compara o delegado Demetrius Gonzaga, titular desde que a unidade passou a operar.

Não só a demanda cresceu, mas o perfil dos delitos também mudou. Em 2005, a maioria dos crimes era de desvio de dinheiro em contas correntes – em especial, computadores atacados pelo vírus cavalo de troia. Agora, vai de crimes de menor potencial, como difamação e calúnia, aos de maior risco, como pedofilia.

A mudança ocorreu pela facilidade de acesso a tecnologias, em especial às mídias sociais. “O barateamento dos produtos e as vantagens dos aplicativos potencializaram a ação de pessoas de má fé na rede”, ressalta o delegado. “Hoje, a gente soluciona um caso e chegam mais 80 no mesmo dia. Sem contar que muitas vezes a prisão do acusado não é o fim da investigação, mas só o começo de algo muito maior”, aponta.

É o caso dos crimes que tratam de abuso sexual de menores. Gonzaga explica que, muitas vezes, descobre-se durante a investigação que um único caso se ramifica em vários outros. “É comum a gente prender um pedófilo e descobrir que há mais quatro, cinco, seis casos envolvendo o mesmo acusado”, explica o delegado.

A investigação de abusos de crianças, aliás, é prioridade, mesmo representando só 3% dos procedimentos do Nuciber. Há quatro anos, a unidade conta com um setor exclusivo para isso. Dos 15 agentes do núcleo, quatro, sob o comando de Gonzaga, se dedicam à busca dos abusadores. “Nesses casos, temos que agir de imediato para evitar males maiores”, ressalta o escrivão Marcos Venicio, integrante da força-tarefa que investiga condutas relacionadas à pedofilia na internet.

Com a variedade de delitos, Gonzaga afirma que a formação do policial do Nuciber exige não só conhecimento tecnológico e jurídico, mas até psicológico. “Muitas vezes a gente tem que ser ‘mais louco que o louco’ para saber como o criminoso age e tentar se adiantar a ele. O problema é que o grau de inteligência do criminoso cibernético é muito mais elevado do que o do criminoso comum”, argumenta.

O delegado afirma que o criminoso que atua na internet dificilmente deixa rastro, acessando provedores de vários locais, até de outros países. Por isso, muitas vezes, a própria equipe, que tem metade do efetivo com formação na área de tecnologia, tem de desenvolver ferramentas para auxiliar a investigação. “Os casos mais difíceis são quando o sujeito tem um domínio tão grande das ferramentas de internet que chega a embaralhar a investigação” diz o delegado.

Mudanças na lei travam investigações

Não é todo crime cibernético que o Nuciber investiga. A unidade se dedica exclusivamente a delitos de autoria desconhecida, em que o agressor usa um perfil falso ou tem acesso às contas de mídias sociais de outras pessoas. Nesses casos, para alcançar o criminoso, os policiais necessariamente têm de chegar ao equipamento em que o delito foi cometido. Ou seja, ao IP da máquina – internet procol, protocolo da internet, do inglês, o número que identifica a conexão. “Via de regra, temos de chegar aos dados cadastrais, que nos mostra de onde o criminoso acessou o equipamento. Só a partir daí temos como ir em busca do infrator”, explica o escrivão Venicio.

O problema, aponta Gonzaga, é que desde que o Marco Civil da Internet foi aprovado em 2014, o acesso da polícia aos IPs ficou restrito. Antes, a solicitação era diretamente com os provedores. Agora, a quebra de sigilo só é permitida mediante autorização judicial, o que aumenta o prazo de acesso a meses, conforme a demanda do Poder Judiciário em avaliar as solicitações.

O delegado lembra de um caso de ameaça de bomba feita pela rede social Orkut em uma cidade no interior antes do Marco Civil. Em aproximadamente uma hora, o Nuciber recebeu do provedor o número do IP e comunicou o endereço do acusado aos policiais da cidade, que o prenderam de imediato. “Fosse hoje, levaríamos meses, talvez até um ano só para ter a autorização judicial. Ou seja, se o sujeito realmente tivesse intenção de explodir o local, muitas pessoas estariam mortas agora”, compara.

Além disso, a lei define o período de apenas um ano para os provedores arquivarem os dados cadastrais. “No começo desse ano, recebi autorização judicial de quebra de sigilo de um pedido feito em 2007. Mas agora não adianta, porque sem o IP a investigação não anda”, afirma o delegado. Atualmente, o Nuciber tem 1,7 mil pedidos de quebra de sigilo aguardando resposta da Justiça.

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