Em tempos de caça desenfreada a bichos virtuais, o pesquisador brasileiro George Gardner Brown pode limpar as mãos no jaleco para cravar que já descobriu cem espécies até então desconhecidas de minhocas. Dez delas já estão catalogadas pela ciência e outras 30 esperam na “fila da oficialização”. Numa das enxadadas que deixa como pegadas pelo Brasil, no Parque Estadual do Itacolomi, em Ouro Preto (MG), ele também tirou da extinção uma espécie que era vendida como passado. Isso pode acontecer novamente. Brown já foi avisado de uma minhoca rara de 2 metros, também em Minas Gerais, e em breve pode ter mais esse feito nas mãos.
O inusitado já colocou a National Geographic na sua cola. Em 2011, ele participou do documentário “The Worm Hunters” junto de outros três pesquisadores. Eles foram até o Amapá para caçar uma espécie de 3 metros perto de minas de ouro. No entanto, encontraram um “filhote” de 1,5 metro, apenas 40 cm “menor” do que o próprio pesquisador. Nada que folgue a empolgação de quem trabalha com minhocas há 30 anos.
O pesquisador é o responsável da Embrapa Florestas (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) pela segunda maior coleção de minhocas do Brasil, com cerca de mil exemplares (de 200 espécies diferentes) – a maior pertence à Universidade de São Paulo (USP), com 1,4 mil. A expectativa dele é de que sua coleção ultrapasse a paulista ainda nesse ano. No solo dos 305 hectares da Embrapa no Paraná vivem 17 espécies de minhocas. São 300 espécies catalogadas no Brasil, mas os pesquisadores acreditam que esse número representa apenas um quarto da realidade. As estimativas mundiais dão conta de 6 mil espécies.
George Brown tem a cor do solo no sobrenome e nas veias a paixão pela pesquisa sobre animais. Seu pai, Keith Spalding Brown, escocês que chegou ao Brasil em 1964, é uma das sumidades mundiais em borboletas. Ele é professor livre docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doou seu borboletário à instituição. Brown se formou em Agronomia na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, concluiu o mestrado em solos na Universidade da Geórgia e o doutorado em Ecologia na Université Paris VI-Pierre et Marie Curie, na França, com pesquisas estendidas a quatro países africanos e ao México. Atualmente, ele é professor da pós-graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e orienta oito mestrandos e doutorandos.
Seus alunos percorrem praticamente todos os estados do país atrás das minhocas, em estudos que englobam quatro grandes áreas de pesquisa: catalogação, interação das minhocas com o meio ambiente e com o solo, estudos do impacto do homem sobre esses animais e testes laboratoriais (as minhocas são os ratos dos seres invertebrados). Na semana passada, um dos pesquisadores encontrou 3 mil minhocas em apenas um metro quadrado, no Rio Grande do Sul.
Agricultura
Bem antes deles, ainda no século 19, Charles Darwin publicou um tratado sobre esses animais. As minhocas “vieram” do mar e ajudam a explicar a evolução dos seres vivos. Hoje em dia a ciência estuda a elevação dos solos por sua ação, por que elas se alimentam e defecam terra. Uma minhoca adulta come basicamente o relativo ao seu peso uma vez ao dia. Algumas minhocas, de determinadas espécies, podem se alimentar até 30 vezes o seu peso ao longo de apenas 24 horas.
Esse fenômeno, a título de exceção, pode alterar de alguma maneira também a agricultura. No Mato Grosso do Sul, algumas plantações de arroz registram superpopulações de minhocas – inclusive quadradas, típicas de áreas alagadas – e a formação desses pequenos blocos de terra pode atrapalhar o trabalho das colheitadeiras.
No geral, porém, a agricultura, é quase sempre beneficiada pela ação das minhocas. Um estudo de 2014 publicado na Scientific Reports por George Brown e outros pesquisadores fez uma revisão histórica de 59 artigos que mediram o efeito das minhocas na produtividade agrícola. A meta-análise demonstrou que, em média, a presença das minhocas aumentou a produtividade de grãos em 25% e a biomassa aérea de plantas, em especial as utilizadas em pastagens, em 23%. Os autores concluíram que as minhocas são especialmente importantes para dois tipos de agricultores: os que podem usar somente baixas doses de adubo porque não têm condições financeiras ou acesso a ele; e aqueles que não querem usá-lo, pois dependem do processo de decomposição natural.
Estudos
Os estudos coordenados por Brown também tentam entender as alterações no solo a partir da alimentação das minhocas. Elas ingerem e defecam ciclicamente o solo, mas não a mesma matéria. O aparelho digestivo da minhoca modifica a composição do alimento, provocando alterações na vida microbiótica e nos níveis de nutrientes da terra.
Já as alterações com ação humana casam com estudos antropológicos. Áreas desmatadas e que viraram hectares de lavoura alteram a configuração do solo e atraem ou espantam espécies de minhocas. Um estudo antropológico orientado nessa área, sob análise de cem pesquisadores, indica que a presença de uma determinada espécie de minhoca no sul do país pode refazer o percurso da dispersão dos índios tupi-guarani pela Amazônia e também por Paraná e Santa Catarina. Essa espécie, originária das Guianas, é encontrada na Embrapa, mas foi relatada no século 19 em estudos do naturalista alemão Fritz Müller em Blumenau. Os índios podem ter transportado propositalmente ou sem intenção essa cultura para diversas regiões do país.
Algumas linhas bem iniciais de pesquisa a partir das minhocas também apontam que boa parte da Amazônia pode ter sido “plantada”, como se fosse um “pomar” dos índios. A presença de muitas árvores frutíferas, espécies medicinais e plantas que eles utilizavam de maneira geral, além de características do solo, como a presença de determinadas minhocas e nutrientes, tenta ajudar a explicar essa tese.
Esse mesmo fenômeno ocorre na migração de minhocas estrangeiras em solos de todo o mundo. Elas não respeitam fronteiras, mas são transportadas por “engano” de um lado para o outro. As “vira-latas”, que não dependem de condições específicas de temperatura e solo, se adaptam e se reproduzem.
Além disso, os estudos de Brown também tentam mapear as minhocas na Caatinga brasileira e as características do solo a partir delas, e os minhocuçus da região do Pantanal, usados pelos pescadores para atrair grandes peixes. Eles medem de 1,5 m a 2 m. O de 3 metros continua como ouro da mina.