Um ano após ser criado para reunir informações de todo o país, o Cadastro Nacional de Crianças Desaparecidas, do Ministério da Justiça, está praticamente inativo. Como não existe um sistema integrado entre delegacias e entidades de apoio, o banco de dados não é atualizado. "Tempo e informação são essenciais. Cada minuto conta para se conseguir o desfecho esperado ou a eterna dúvida sobre o que realmente aconteceu", alerta o vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ariel de Castro Alves.O Brasil está entre os países com o maior número de crianças e adolescentes desaparecidos. Estima-se que por ano sejam mais de 40 mil casos, a maioria deles no estado de São Paulo. Bancos de dados inoperantes e não integrados, além do desrespeito às leis criadas especificamente para agilizar as buscas, são apontados como alguns dos obstáculos que diminuem ainda mais as chances de as vítimas serem encontradas.
O site que abriga o Cadastro Nacional é abastecido com informações que deveriam ser enviadas regularmente por delegacias de polícia e entidades especializadas. Para se ter ideia do atraso, entre janeiro do ano passado e março deste ano, apenas 48 desaparecimentos foram incluídos no sistema 36 do Pará, quatro de Sergipe, três do Rio de Janeiro e de Goiás e dois do Rio Grande do Sul. São Paulo, um dos estados mais problemáticos, aparece sem nenhum registro nesse período.
"Quando esses dados chegam, muitas vezes o caso já foi solucionado, por isso temos atualmente no cadastro 598 desaparecidos e 644 encontrados", diz a presidente da Associação Brasileira de Busca e Defesa à Criança Desaparecida, as Mães da Sé, Ivanise Esperidião Santos, que há 15 anos procura um filho desaparecido. "Ele [o cadastro] não deve servir simplesmente como um gerador de estatísticas defasadas, o que é ainda pior. Se fosse usado corretamente, seria uma ferramenta importante de busca."
Investigação
Além de ajudar a localizar as crianças desaparecidas, as informações têm o papel de apontar as causas do desaparecimento. Dos 487 registros analisados pela Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes (RedeSap), os conflitos familiares foram a principal causa do sumiço. Algum problema com a guarda também foi um motivo recorrente, que levou crianças e adolescentes a serem raptados em 87 ocasiões, seguidos de sequestro, com 59 casos. "Essa análise auxilia muito nas investigações e pode evitar que aconteça de novo. É imprescindível saber com que tipo de situação se está lidando", reforça Ivanise.
Outros problemas são o descumprimento da Lei 11.259, de 2006, conhecida como Lei da Busca Imediata, e a falta de delegacias especializadas. Antes, o registro do caso e o início das buscas só podiam ser feitos 24 horas depois do desaparecimento. Com a mudança, o boletim de ocorrência pode ser feito a qualquer momento. "Muitos policiais ainda trabalham com a norma antiga. Avanços existem, mas muitos ainda não estão sensibilizados", observa Ivanise.
Paraná
Iniciativas nascidas no Paraná, como o Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride), da Polícia Civil, e a tecnologia de envelhecimento digital deveriam ser adotadas por todos os estados, diz a psicóloga Vânia Riotto. "Isso facilitaria a troca de informações e, com a dimensão real do problema, possibilitaria que ações pudessem ser traçadas e colocadas em prática de forma conjunta e padronizada. Certamente, os bons resultados não ficariam restritos a um ou outro estado e poderíamos dizer que o Brasil possui uma rede de enfrentamento eficaz." Desde 1996, o Paraná vem conseguindo solucionar mais de 90% dos casos.