Apenas um chuveiro para 70 pessoas, falta de ventilação e colchões espalhados pelo chão, obrigando os detentos a se revezar na hora de dormir, em um espaço originalmente destinado a 14 pessoas. A descrição é da carceragem da delegacia da Lapa, na região metropolitana de Curitiba (RMC), vistoriada ontem pela Comissão de Direitos Humanos da Seção Paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), mas vale para pelo menos outras 14 cadeias dos municípios ao redor da capital. Segundo um levantamento feito ontem e na terça-feira pela reportagem da Gazeta do Povo, das 16 delegacias que ainda têm carceragens na RMC, 15 estão com um número de detentos superior ao que comportam. O levantamento mostra que, nos últimos dois dias, havia 799 presos em espaços que originalmente não poderiam comportar mais do que 298 pessoas ou seja, há quase três vezes o número de presos recomendado.
A situação piorou em relação a janeiro deste ano, quando uma matéria da Gazeta do Povo mostrou que havia 706 presos nas delegacias da RMC. No dia 26 de janeiro, três dias depois de a matéria ser publicada, o governador Roberto Requião (PMDB) garantiu, durante reunião da Operação Mãos Limpas, que a superlotação terminaria até julho deste ano. Mas, das 120 celas modulares prometidas na ocasião (que abririam 1.440 vagas fora das delegacias), somente 60 foram entregues até agora, no Centro de Triagem 2 (CT 2), em Piraquara. A nova promessa é que 184 celas modulares serão entregues até a metade de 2010 60 para a RMC, o que abriria 720 vagas.
Sem vagas, sem defensores
Segundo policiais ouvidos pela reportagem (a maioria pediu para não ser identificada), são três os problemas básicos que levam à superlotação das cadeias. O primeiro é a falta de vagas em unidades prisionais provisórias, onde ficam detentos ainda não condenados. Inaugurado em 2006 pelo governo do estado, o CT 2, com capacidade para 900 pessoas, já está lotado. Lá foram abrigados presos das delegacias de Curitiba hoje, apenas quatro unidades recebem presos na capital: 9.° Distrito Policial, no bairro Santa Quitéria; 12.º DP, em Santa Felicidade; Delegacia de Furtos e Roubos, no Jardim Botânico; e Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos, no Santa Quitéria. Outra unidade é o Centro de Triagem 1, no centro de Curitiba, com capacidade para 110 detentas.
O segundo problema é a falta de uma Defensoria Pública regulamentada no estado. Em todo o país, só Paraná e Santa Catarina não têm defensorias estruturadas de acordo com o que determina a Constituição de 1988, com quadro próprio e autonomia em relação ao governo. O efeito disso é que muitos presos que já poderiam estar soltos continuam em delegacias, pois não têm dinheiro para contratar um advogado. O terceiro fator é a falta de vagas no sistema penitenciário. Segundo um levantamento da OAB, há três meses as delegacias de todo o estado abrigavam cerca de 3 mil presos já condenados, que deveriam estar no sistema prisional. Este número representa cerca de 20% do total de vagas disponíveis no sistema segundo o site do Departamento Penitenciário do Estado, as 23 unidades estaduais comportam 14.568 detentos condenados.
Esses três fatores, somados ao aumento da criminalidade, elevam a cada dia o número de presos em delegacias. Na terça-feira, a delegacia de São José dos Pinhais, por exemplo, tinha 120 presos em um espaço destinado a 35. Situação considerada "tranquila" pelo delegado Osmar Dechiche. "Está tudo tranquilo, apesar de a população carcerária estar um pouco acima", disse. As piores situações eram as das delegacias da Lapa (70 presos no lugar de 14) e do Alto Maracanã, em Colombo (60 detentos no lugar de 12): nas duas, a proporção é de cinco presos para cada vaga. A única delegacia que estava com o número compatível com sua capacidade era a de Quatro Barras. Lá, um funcionário informou que a Comarca de Quatro Barras não permite que a unidade receba mais de 20 detentas.
"Todas as cadeias que vistoriamos estão em más condições", afirma a advogada Isabel Kugler Mendes, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PR. "A OAB vê a necessidade de se construírem cadeiões para até 500 presos em diversas regiões do estado. Os presos entrariam na delegacia e só ficariam o tempo necessário para a conclusão do inquérito. Outro problema é que o estado não tem Defensoria Pública. Se fosse feito um mutirão, em dois ou três meses pelo menos um terço dos presos deixaria as delegacias. São pessoas que têm um furto simples, a maioria primários. Como são pobres e não podem pagar um advogado, acabam ficando."
O delegado da Lapa, Daniel Prestes Fagundes, lembra que a Lei de Execuções Penais determina que cada preso tenha um espaço de no mínimo 6 metros quadrados. "Quando assumi, em março, encontrei 58 presos, a maioria condenados. Consegui transferir, cheguei a ficar com 25. O problema é que, de agosto para cá, não abriu mais vaga", diz.