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As tardes do doutor Paulo Roberto Nocera, 33 anos, quatro de Programa Saúde da Família (PSF), começam na frente do computador e acabam na casa de gente como dona Maria Lopes de Souza, na Vila Centenário. Depois de checar relatórios, o profissional inicia uma maratona de cerca de cinco horas de asfalto. Expressões como "visitinha de médico" ou "médico do postinho" perdem a graça, pois as consultas são demoradas, em domicílio e chegam a ter sabor de festa, regadas a doses de prosa e copaços de água gelada.

Paulo acompanha entre 25 e 30 pacientes que não têm como ir até a Unidade de Saúde Trindade II, onde são feitos cerca de 12 mil procedimentos por mês. Não trabalha sozinho. Nas visitas, leva as agentes de saúde Elza da Silva, 34 anos, Marilei da Cruz, 36, Noemi Araújo, 33, e a auxiliar de enfermagem Kátia Prado, 48. Janaína Ravaglio, 32, é a enfermeira do grupo – que conta também com a dentista Luzia Kanabata, 44, com a auxiliar de consultório dentário (ACP) Marly Alves, 55, e com Noemia Veiga, técnica de higiene dental (THD). Antes de sair a campo, na última quinta-feira, a trupe usava a hora do almoço para ensaiar músicas de Natal. "Formamos um coral. Quer ouvir?", pergunta Noemia. Mas não havia mais tempo.

A primeira parada foi na residência de Patrícia Fernandes, 24 anos, há 11 com diagnóstico de Síndrome de Lenox Gastaut, doença degenerativa que já lhe custou uma eternidade de idas e vindas ao Hospital de Clínicas. No pequeno quarto que divide com os irmãos, pode-se ver retratos da moça quando saudável em meio a fotos coloridas retiradas de revistas, com pássaros, gatos e cavalos em galope. Os movimentos da paciente são mínimos. Vive a dez passos entre a cama e o sofá, nada mais. A situação exige braço, nervos de aço e economia de guerra: o orçamento da casa gira em torno de R$ 600 e é preciso comprar alguns medicamentos e fraldas descartáveis. "O nível de estresse da família é grande. Nossa ação é paliativa. Damos, inclusive, apoio psicológico para todos eles", diz Paulo.

"Esse trabalho dá uma visão diferente. Não ficamos entre quatro paredes. Na unidade ensinamos a escovar os dentes e ao chegar na casa deles descobrimos que não têm banheiro nem água encanada. Que só comem leite com arroz. Temos de ajudar a encontrar soluções que sejam simples", comenta a dentista Luzia Kanabata, desde 1996 envolvida com saúde comunitária. Ela é falante, empolgada e não se arrepende de sua escolha. "Pode até haver preconceito com quem trabalha na periferia. Mas não importa. Aprendo o tempo todo. As pessoas nos respeitam, sabem que podem contar com a gente."

Atuar na saúde também mexeu com a vida de Elza, Marilei e Noemi – moradoras do Centenário. São figuras conhecidas do bairro e encontram a clientela na porta da igreja ou no supermercado. Para elas não tem sábado nem domingo de sossego, pois alguém pode bater na porta perguntando como tomar medicação. "Se o paciente não sabe ler, a gente desenha um garfo para mostrar que o remédio deve ser tomado na hora do almoço, ou uma lua, para tomar à noite", explica Noemi. Até para fazer um parto no meio da madrugada uma delas já foi chamada. Explicar que não sabia é que foi difícil. "Mas você não trabalha na prefeitura? Vou te processar", ameaçou o pai apavorado.

Cada agente acompanha um grupo de moradores e recebe orientação da enfermeira Izabel Schanne, que chefia o Trindade II. As visitas são freqüentes e exigem a espinhosa tarefa de chamar atenção para noções básicas de higiene simples, como lavar as mãos antes das refeições. Como a região tem muitos catadores de papel, há quem acumule lixo em casa e passe a conviver com ratos e baratas. Tem também a cachorrada da rua. E o controle da água parada para evitar a dengue. A rua não dá mole para as agentes.

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