Eles são mais um retrato da exclusão social. Migram de cidade em cidade em busca de pequenos serviços e bicos para garantir o pão de cada dia. Na maioria das vezes recebem "não" como resposta, por estarem sujos e malvestidos.
Se preciso, dormem nas ruas ou estradas e usam o álcool para aliviar as tensões.
O perfil descrito acima é típico dos trecheiros pessoas que perderam o vínculo com sua origem e vivem destinos incertos. Diferenciam-se dos moradores de rua ou "pardais" definição dada por eles mesmos porque não se fixam em município algum.
Considerado um movimento migratório recente, os trecheiros, ou pessoas em trânsito, como é definido o grupo pela Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS), é o segundo que mais solicitou atendimento na Casa da Acolhida do Regresso (CAR) nos últimos dois anos. A entidade funciona na Rodoferroviária e oferece serviços na área de assistência social a pessoas em situação de vulnerabilidade e risco que chegam à capital paranaense.
As solicitações feitas pelos trecheiros representam 23% das 11.458 registradas em 2006 na entidade, o segundo lugar no ranking de atendimentos da CAR. Os atendimentos aos trecheiros só perdem para pessoas que vêm à capital tentar a sorte em busca de emprego pela primeira vez representando 32% do total de atendimentos.
A preocupação da assistente social e coordenadora de proteção especial de média complexidade da FAS, Marisa Mendes de Souza, é de que parte das pessoas que estão nesse grupo carregam o risco de se tornar futuros moradores de rua de Curitiba. "Muitos são iludidos e chegam por aqui em péssimas condições", diz.
Na prática, isso já está acontecendo. É o caso de Vanderlei dos Santos, 35 anos, que retornou a Curitiba após dez anos de vida como trecheiro, viajando e trabalhando principalmente no interior do estado. Antes, Santos não se fixava em um município por mais de seis meses. Agora, vive nas ruas de Curitiba há três anos, mas a intenção é voltar para a estrada. "Tento fazer bicos, mas quem vai dar trabalho para quem está nessa condição?", afirma, mostrando as roupas e chinelos sujos. O ex-trecheiro se diz revoltado com a sociedade e justifica o uso do álcool como remédio. "Fico mangueando (pedido doações) para comprar pinga mesmo", diz.
Porém, muitos dos andarilhos só se fixam numa cidade quando apresentam problemas de saúde, conforme ressalta a assistente social e coordenadora da Central de Resgate Social da FAS, Eliana Oleski. "O objetivo deles é continuar seguindo. Estão sempre a caminho porque não possuem mais expectativas de vida", diz.
É o caso de Isabel Cristina Milano, 37 anos, que parou em Curitiba há quatro anos devido a um reumatismo que adquiriu numa das pernas. Moradora em situação de rua, Isabel sobrevive de venda de poesias e artesanato. "Quando fica muito difícil eu mangueio mesmo", diz. Isabel lembra que virou uma trecheira após a morte dos seus pais, quando tinha 13 anos. "Decidi pegar a estrada. Já fui até Salvador a pé. Levei três meses. Também tive de me prostituir para conseguir pequenas caronas com o caminhoneiros", conta.
Tendência migratória
A socióloga e professora de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Benilde Maria Motim, ressalta que há muitos anos os migrantes passam de uma região rural para uma pequena cidade, depois se dirigem a cidades de porte médio, para em seguida chegar às grandes cidades. Benilde é autora da pesquisa Famílias migrantes na Região Metropolitana de Curitiba (RMC): Sociabilidade e estratégias de sobrevivência, que estabelece uma análise das histórias de vida de famílias migrantes que vieram para a RMC entre 1965 e 1995. "À medida que parte destes trecheiros estão na cidade, mas não conseguem integrar-se ao mercado de trabalho e aos círculos urbanos de sociabilidade, há de fato o risco de constituírem-se moradores de rua", diz.
Já o sociólogo e professor da PUCPR Lindomar Wessler Boneti lembra que os fluxos migratórios sempre foram marcados para um lugar e acompanhavam a instalação do capital. "Hoje, não temos mais a instalação do capital num local só. É um processo migratório novo. Mas essas pessoas são vulneráveis e não acumulam recursos. Ganham para comer o dia. Quando o serviço acaba não tem sequer para onde voltar", argumenta.
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