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"Campos do Mourão" é uma terra visitada há séculos. Localizado no Noroeste do estado, entre os rios Ivaí e Piquiri, o vale descampado ganhou esse nome em homenagem ao antigo governador da Província de Piratininga, quando as milícias do seu governo rondavam a região. Mais tarde vieram os tropeiros, as primeiras famílias colonizadoras e a emancipação em 1947, desmembrando-se do município de Pitanga. Atualmente, com largas avenidas, comércio forte e sede da maior cooperativa agrícola da América Latina, Campo Mourão atrai muitos turistas principalmente em julho, na tradicional Festa Nacional do Carneiro do Buraco. Além do evento gastronômico, seu grande potencial turístico, ainda que desconhecido, está ligado aos primeiros visitantes da cidade. No século 17 era comum encontrar ali a presença de espanhóis, jesuítas e exploradores que circulavam pelas misteriosas trilhas dos Peabirus.

Antes da chegada de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral na América, já existia uma intrigante estrada que ligava o Oceano Atlântico ao Pacífico. Segundo historiadores, ela integrava o Brasil, o Paraguai, a Bolívia e o Peru, cortando matas, rios, pântanos e cordilheiras, num percurso grandioso com aproximadamente 3 mil quilômetros. Essa rota, ainda hoje envolta em mistério, era chamada de "Caminho do Peabiru". O trajeto, construído pelos índios sul-americanos, começava em São Vicente, no litoral paulista, cruzava todo o Paraná, penetrando no chaco paraguaio até chegar à Bolívia e ao Peru. Esse era o chamado tronco principal, mas havia vários ramais. Um deles atravessava o Rio Paranapanema, na divisa entre São Paulo e Paraná, e baixava ao sul, quase em linha reta, passando pelas cidades de Peabiru e Campo Mourão. Outro ramal dava no litoral de Santa Catarina, que se estendia, provavelmente, até o Rio Grande do Sul. A construção do Caminho do Peabiru ainda é um enigma entre os estudiosos. A principal teoria é que teria sido aberto pelos Guaranis em busca constante de uma mitológica "Terra sem Mal". Esse território mágico seria a morada dos ancestrais, descrito como o lugar onde as roças cresciam sem serem plantadas e onde a morte era ignorada.

Diante de sua importância histórica, no ano passado o governo do estado, mais a Itaipu Binacional e o governo paraguaio, transformaram o Caminho do Peabiru em um Pré-Projeto Turístico Cultural, intitulado de "Compostela da América do Sul", criando um roteiro de peregrinação nos moldes do conhecido Santiago de Compostela, da Espanha. Enquanto o projeto não sai do papel, uma idéia paralela apoiada pela Comcam (Comunidade dos Municípios da Região de Campo Mourão) e Facilcam (Faculdade Estadual de Ciências e Letras) procura realizar excursões de reconhecimento e mapeamento desse antigo trajeto. Segundo a jornalista Rosana Bond, que tem vários livros e artigos publicados sobre o assunto, desde 1990 vem surgindo um outro tipo de turista, que deseja caminhar por trilhas sagradas, conhecer descobertas arqueológicas, manter contato com populações indígenas, ouvir histórias de antepassados e participar de rituais esotéricos. É o turista-ecologista, historiador, místico ou geógrafo. E a trilha do Peabiru tem muito disso; caminho sagrado para os índios, que leva à "Terra sem Mal".

O trajeto

Um dos trechos mais importantes das peregrinações é o percurso entre Campo Mourão e Barbosa Ferraz. Além da bonita paisagem campestre, o caminho esconde uma estranha pedra contendo inscrições circulares, simbolizando uma espiral. Segundo Sabrina de Assis Andrade, coordenadora de turismo do projeto "Caminho de Peabiru", arqueólogos teriam encontrado uma pedra com inscrições muito semelhantes na região de Florianópolis, comprovando a existência e utilização das grandes rotas indígenas. "Infelizmente, a ocupação do território pelas lavouras e cidades fez a trilha praticamente desaparecer, sobrando apenas alguns vestígios na nossa região", comenta Sabrina.

Ao todo, são 40 km de passeio, dividido em dois dias de caminhada, num percurso de bonitas panorâmicas entre vales profundos, criações de gado e pequenas fazendas. A aventura começa no Parque do Lago, no centro de Campo Mourão, onde está instalado um Totem Guarani, representando o início do trajeto. As dificuldades surgem logo no começo: os peregrinos (conhecidos também por peabirutas) são obrigados a enfrentar a atmosfera tóxica de defensivos agrícolas que infestam as plantações de soja ao longo da estrada. O alívio só vem quando chegam à Cachoeira do Boi Cotó, ideal para descansar e tomar um banho revitalizante. Pouco à frente, a Comunidade Água do Juca é local marcado para acampamento e preparo do jantar. Quem dá toda assistência aos andarilhos é Florisvaldo Rodrigues da Silva, dono de um pequeno bar ao lado do alojamento.

Florisvaldo, conhecido como Nezão, mora há 35 anos na região das quatro fronteiras. "A encruzilhada aqui perto faz divisa com Campo Mourão, Corumbataí do Sul, Peabiru e Barbosa Ferraz". Na frente do bar, um pequeno paiol é decorado com várias cabeças de vacas em homenagem ao pioneiro explorador das Américas, Cabeza de Vaca, que chegou até aqui pelas tortuosas trilhas dos Peabirus.

Hospitaleiro, Florisvaldo fez questão de preparar um tacho de carne de porco para os últimos peabirutas que visitaram a região. "Já faz quase um ano que ninguém passa por aqui andando", comenta. Questionado sobre a existência de uma rocha com inscrições peculiares, o comerciante não hesitou em mostrar o local exato da raridade. Dentro da propriedade de Paulo Baia Ker, a pedra está num barranco, envolta de mato e eucaliptos, sem nenhuma proteção e fiscalização. A inscrição em espiral parece remeter ao infinito e ao próprio umbigo do ser humano. "Faz 18 anos que conheço essa pedra. Sempre fiz arado, plantei milho, feijão em volta dela. Nunca deu problema", conta Eunice Baia, esposa de Paulo. A pedra, descoberta há pelo menos dois anos, ainda aguarda uma ação das entidades e projetos que cuidam do Caminho do Peabiru. Por enquanto continua lá, largada a qualquer sorte ou azar. Uma terra sem mal, mas ainda não preservada.

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