Como capataz de uma fazenda de gado nos confins da Amazônia brasileira, Lailson Camelo da Silva estava derrubando árvores para transformar a floresta tropical em pasto quando se deparou com um arranjo bizarro de imensos blocos de granito.
“Não tinha ideia que estava descobrindo o Stonehenge da Amazônia”, afirmou da Silva, de 65 anos, em um dia muito quente de outubro enquanto admirava o sítio arqueológico ao norte do equador. “Isso me faz pensar: que outros segredos sobre nosso passado ainda estão escondidos nas florestas do Brasil?”
Após realizar um teste de radiocarbono e fazer medições durante o solstício de inverno, os pesquisadores do campo da arqueoastronomia determinaram que uma cultura indígena arrumou os megalitos em forma de observatório astronômico cerca de mil anos atrás, ou cinco séculos antes do início da conquista da América pelos europeus.
As descobertas, junto com outros achados arqueológicos no Brasil nos últimos anos – que incluem gigantescas esculturas de terra, vestígios de assentamentos fortificados e até mesmo complexas redes de estradas – estão mudando visões anteriores dos arqueólogos que acreditavam que a Amazônia havia sido relativamente intocada pelos humanos a não ser por pequenas tribos nômades.
Amazônia tinha população de até dez milhões de pessoas
Ao invés disso, alguns pesquisadores agora afirmam que a maior floresta tropical do mundo era muito menos parecida com o “Éden” do que foi imaginado, e que a Amazônia possuía uma população de até dez milhões de pessoas antes das epidemias e da matança em larga escala conduzida pelos colonizadores europeus.
No que hoje é o pouco povoado estado do Amapá, no norte do Brasil, as pedras do sol descobertas por da Silva perto de um rio chamado Rego Grande estão dando pistas sobre como os povos indígenas da Amazônia podem ter sido muito mais sofisticados do que acreditavam os arqueólogos no século XX.
“Estamos começando a remontar o quebra-cabeça da história humana na Bacia Amazônica e o que estamos encontrando no Amapá é absolutamente fascinante”, afirma Mariana Cabral, arqueóloga da Universidade Federal de Minas Gerais que, junto com o marido, o também arqueólogo João Saldanha, vem estudando o sítio de Rego Grande há uma década.
No século XIX, o zoólogo suíço Emílio Goeldi viu os megalitos – pedras monumentais – em uma expedição pela fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. Outros pesquisadores, entre eles a pioneira da arqueologia americana Betty Meggers, também encontraram esses sítios, mas afirmaram que a Amazônia era muito inóspita para abrigar assentamentos humanos complexos.
A descoberta de Rego Grande
Foi apenas quando da Silva, o então capataz da fazenda, descobriu as pedras de Rego Grande enquanto desmatava a floresta nos anos 1990 que os estudiosos deram mais atenção aos achados. Da Silva diz que viu o sítio pela primeira vez quando estava caçando porcos selvagens por ali na adolescência durante os anos 1960, mas depois passou a evitar a área.
“No início, o lugar parecia sagrado, como se não devêssemos estar lá. Mas foi impossível não vê-lo durante os grandes desmatamentos dos anos 1990, quando a prioridade era queimar as árvores”, conta da Silva, que agora é o guardião do sítio de Rego Grande.
Cerca de dez anos atrás, depois de garantir fundos públicos para isolar as pedras, os arqueólogos brasileiros liderados por Mariana Cabral e João Saldanha começaram a escavar o sítio, que tem a forma de um círculo. Eles logo identificaram um pedaço do rio a 3,2 quilômetros de distância de onde os blocos de granito podem ter sido retirados.
Eles também encontraram urnas de cerâmica que sugerem que pelo menos parte do sítio de Rego Grande pode ter sido um cemitério; enquanto colegas do Instituto de Pesquisa Científica e Tecnológica do Amapá descobriram que uma das pedras altas parecia estar alinhada com o caminho do sol durante o solstício de inverno.
Depois de identificar outros pontos do sítio onde as pedras podem ter sido associadas com o movimento do sol no solstício, os pesquisadores começaram a montar uma teoria de que Rego Grande pode ter servido para várias funções cerimoniais e astronômicas conectadas com os ciclos da agricultura ou da caça.
Mariana Cabral diz que Rego Grande e uma série de outros sítios megalíticos menos elaborados descobertos no Amapá podem também ter sido usados como marcos para os caçadores e pescadores em uma paisagem que estava sendo transformada pelos povos da Amazônia milênios atrás.
Outros pesquisadores dizem que é necessária mais informação sobre Rego Grande para alçar o sítio ao reino de lugares pré-históricos claramente concebidos como observatórios astronômicos.
“Já vimos muitas afirmações parecidas, mas é preciso mais do que um círculo de pedras para ser um Stonehenge”, diz Jovita Holbrook, pesquisadora de Astronomia Física e Cultural da Universidade do Cabo Ocidental da África do Sul, reforçando a necessidade de mais descobertas sobre as características de Rego Grande e de como o sítio era usado pelas pessoas que o construíram.
Por enquanto, Rego Grande, que os locais chamam de Stonehenge Amazônico, permanece enigmático. Fragmentos de cerâmica atravessam o solo como se estivessem oferecendo pistas tentadoras sobre o local, que dá a impressão de uma obra de arte conceitual contemporânea. Os pesquisadores ainda estão tentando determinar como o Rego Grande se encaixa nas visões, que não param de evoluir, da história humana na Amazônia.
John McKim Malville, físico solar da Universidade do Colorado que escreve extensamente sobre arqueoastronomia, enfatizou a maneira como o campo está se afastando do foco exclusivo nas funções astronômicas para olhar para interpretações mais holísticas, entre elas cerimônias e rituais de culturas antigas.
Nesse sentido o sítio de Calçoene oferece um vislumbre intrigante do passado da Amazônia.
“As pedras de Rego Grande são extraordinárias e sua irregularidade pode conter um sentido próprio, diferente de outros sítios megalíticos do resto do mundo”, explica Malville, levantando a possibilidade de que Rego Grande reflita a importância do animismo – a atribuição de alma a entidades da natureza e a objetos inanimados – nas culturas da Amazônia.
“Podemos apenas especular o que essas pedras significam”, afirma.
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