Os mais de nove mil presos mantidos em carceragens de delegacias da Polícia Civil do Paraná estão amontoados em celas que, juntas, teriam espaço para 2,9 mil pessoas. Os números constam de um levantamento feito pela Gazeta do Povo nas 156 comarcas do estado. Em média, as celas dos distritos detêm um número três vezes maior do que a capacidade para a qual foram projetadas. Em regiões como Londrina e Cascavel, as carceragens operam quatro vezes acima da capacidade.
Em algumas comarcas, a superlotação é ainda mais absurda. Na de Arapongas (na região de Londrina), o número de presos é 15 vezes maior que a quantidade de vagas: são 192 pessoas espremidas em celas onde caberiam 12. Na comarca de Cascavel, em um espaço para 42 pessoas, permanecem 456 detidos. Em Telêmaco Borba (regional de Ponta Grossa), 156 presos estão em celas que somam 26 vagas. Em São Mateus do Sul (regional de Guarapuava) são 84 detentos em espaço para 16. Em Pato Branco (regional de Francisco Beltrão), há 163 detidos para 20 vagas.
A manutenção de detentos em delegacias é considerada uma anomalia. A Lei de Execuções Penais (LEP) determina que os presos condenados cumpram as penas em presídios e que os que ainda aguardam julgamento permaneçam em cadeias públicas. As celas dos distritos deveriam manter os presos apenas de forma provisória, no máximo até a conclusão do inquérito policial. O provisório tem se tornado permanente.
"O preso entra [na carceragem] e nunca sai. Ele cumpre pena aqui", diz um delegado responsável por um distrito da Região Noroeste. "Mais de 40% dos nossos presos já estão condenados. Deveriam estar em um presídio. Não aqui", ressalta outro delegado, da Região Norte.
Impacto
O impacto é sentido de forma mais severa nos municípios do interior, onde as delegacias têm menos infraestrutura e ficam mais distantes de presídios. Os policiais vivem às voltas com ameaças de motins. Segundo o Sindicato das Classes Policiais Civis (Sinclapol), as delegacias do Paraná registraram mais de cem fugas em 2014. Em uma delas, houve tiroteio, que terminou com um investigador e seis presos baleados. Neste ano, já foram quatro fugas.
"A polícia e a sociedade estão pagando um preço de sangue por isso [a custódia de presos em delegacias]. É um reflexo da inoperância administrativa do Estado, ao longo de décadas", define o presidente do Sindicato dos Delegados do Paraná, Cláudio Marques Rolim e Silva. "As delegacias são antigas. As carceragens estão esfarelando. É dia e noite nessa tensão: se foge, se não foge", desabafa o delegado da Região Noroeste.
As delegacias abarrotadas afetam, ainda, a eficiência da polícia. Policiais são retirados da investigação para fazer a guarda das celas. "Se eu mandar policial pra investigar, não fica ninguém cuidando dos presos. Cobram uma eficiência digna do FBI, sem dar estrutura pra isso", diz outro delegado, que atua em Curitiba.
Sesp prevê fim do problema em dois anos
A solução do problema crônico da custódia de presos em delegacias do Paraná está condicionada à abertura de novas vagas. Desde 2013, o estado firmou contrato para a construção de 12 novos presídios e para a ampliação de oito unidades do sistema penitenciário. Entretanto, como revelou a Gazeta do Povo no início do ano, apesar de os recursos terem sido liberados, as obras estão praticamente paradas.
"É um problema insolúvel. Com as obras paradas, não se criam novas vagas. A polícia, obviamente, continua prendendo. Onde se vai manter essas pessoas? Não tem onde pôr", diz a advogada Isabel Kügler Mendes, membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB.
Prazo
O secretário de Segurança Pública do Paraná, Fernando Francischini, por sua vez, prevê que a questão seja resolvida em um prazo de dois anos. Nesta semana, a Sesp criou o setor de Engenharia e Arquitetura, que vai se encarregar de acompanhar o ritmo das obras. "O plano é acelerar o andamento das obras para que elas estejam concluídas no fim de 2016. Em dois anos, vamos solucionar efetivamente o problema, quase que zerando o número de presos em delegacias", garante.
Francischini ressalta que o volume de pessoas mantidas em carceragens da Polícia Civil já vinha caindo no Paraná ao longo dos últimos quatro anos. Em 2011, mais de 16 mil presos lotavam as celas dos distritos policiais do estado. O secretário entende a erradicação dos presos em delegacias como um dos principais desafios de sua gestão. "Nos preocupa muito, por isso é uma das nossas principais missões", sintetiza.
Delegados temem que punições virem regra
A punição do delegado Michel Teixeira de Carvalho provocou a articulação de entidades que defendem a categoria. Carvalho era titular da delegacia da Lapa, mas foi removido do distrito pelo Departamento da Polícia Civil, depois que sete presos fugiram da carceragem.
A Associação dos Delegados do Paraná (Adepol) e o Sindicato dos Delegados afirmam que a pena imputada ao colega foi arbitrária e temem que outros sejam responsabilizados sumariamente.
Afastamento
"O afastamento [de Carvalho] sem que haja a instauração de um processo disciplinar, em que ele possa apresentar defesa, configura um ato de arbitrariedade. O estado não oferece recursos mínimos para que o delegado faça a guarda dos presos e ainda o pune", diz o diretor da Adepol, João Ricardo Képes Noronha.
Determinação
O secretário de Segurança Pública, Fernando Francischini, garante que não vai haver uma "caça às bruxas", mas deixa claro que a determinação é que a Corregedoria da Polícia Civil investigue todas as fugas de presos de delegacias.
"Nem todas vão ter afastamento [do delegado]. Mas se houver indícios mínimos de omissão, faremos o afastamento para preservar a administração e a investigação", diz Francischini. "Em relação à Lapa, lá não tinha justificativa para ter tido [fuga]. [Michel Carvalho] é um bom delegado e o afastamento vai ser bom até para preservar a carreira dele", completou o secretário de Segurança Pública do Paraná.