Famílias com filhos pagam muito para sobreviver no Brasil. A necessidade de “especial proteção às famílias”, prevista no artigo 226 da Constituição, que deveria se traduzir em uma exigência contributiva compatível com o mínimo de recursos necessários em um lar, não é respeitada pela legislação do país – na prática, casar e ter filhos são sinônimo de onerosos tributos. Para mudar um pouco esse quadro, tramita na Câmara dos Deputados um projeto que pretende aliviar o Imposto de Renda das famílias, caso seja aprovado e incluído na Reforma Tributária.
Como ocorre em outros países, a proposta prevê que as rendas familiares possam ser somadas – se for de interesse da família – e divididas de acordo com um coeficiente familiar, que leva em conta o número de membros e suas características, como a presença de idosos ou filhos com doenças raras.
Isso pode reduzir sensivelmente o valor a ser pago. Hoje, por exemplo, quando um dos cônjuges tem renda mensal de R$ 5 mil, fica sujeito à alíquota máxima (27,5%), o que representa, com as deduções e sem incidir sobre a parte do salário destinada à contribuição previdenciária, pagar R$ 505,64 de imposto (de acordo com o simulador da Receita Federal). Com a proposta, a renda de R$ 5 mil seria dividida entre os dois cônjuges, R$ 2,5 mil para cada, com uma alíquota de 7,5% o valor a ser pago seria R$ 187,50 para cada cônjuge, R$ 375 para a família. Caso a família tenha mais filhos, idosos e dependentes com deficiência, a renda pode ser dividida ainda mais, para depois aplicar a alíquota. Como explica artigo publicado nesta mesma Gazeta do Povo, na prática, quem tem mais responsabilidades familiares paga proporcionalmente menos.
"Dessa forma, faz-se uma ‘redistribuição’ das rendas antes da incidência tributária, sendo elas acumuladas e divididas/imputadas igualmente entre os contribuintes da unidade familiar", explica o deputado Diego Garcia (Pode-PR), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família e autor da proposta, o Projeto de Lei 153/2021.
O coeficiente deve ser definido pelos seguintes fatores, passíveis de serem acumulativos: "1,00 para cada responsável por dependente; 1,00 para ascendentes (desde que não aufiram rendimentos superiores ao limite de isenção mensal); 1,00 para solteiros, divorciados ou viúvos sem filhos; 2,00 quando se tratar de casal sem filhos; 0,50 para cada um dos dois primeiros filhos dependentes; 1,00 para cada filho dependente, a partir do terceiro; 1,50 para dependentes com doenças raras, moléstias graves, deficiências ou invalidez; 0,25 a ser adicionado para cada progenitor divorciado, com guarda compartilhada, por filho dependente".
De acordo com o parlamentar, a proposta brasileira é inspirada na técnica francesa conhecida pelo termo inglês "splitting". "Diversos estudos acadêmicos tomam o sistema fiscal familiar francês como paradigma, devido a sua generosidade em relação a grandes famílias e por haver evidências empíricas de ampliação nas taxas de natalidade e de fertilidade da população francesa. A aplicação desse paradigma tem sido considerada em outros países europeus [...] que sugerem a expectativa de aumento da progressividade tributária, beneficiando sobremaneira famílias com três ou mais filhos, o que mitigaria ainda eventuais desincentivos à oferta de trabalho das mulheres", diz Diego Garcia.
O parlamentar lembra que, comparada a de uma pessoa solteira, a capacidade contributiva de uma família é diferente, por vários fatores. Uma mãe de família, por exemplo, tende a sacrificar maior parte da sua renda e, sob a perspectiva de que ao fazer isso ela está "reinvestindo" na sociedade, parte da renda não deveria ser tributável. "Ela está cuidando dos filhos, pagando arroz e feijão. Se valorizamos a família e entendemos que ela é fator de desenvolvimento da sociedade, isso gera um impacto enorme na sociedade. Famílias fortes resultam em sociedades fortes, e a legislação tributária deveria refletir esses aspectos", diz ele.
Defesa e promoção da família como direito constitucional
Nos bastidores, há interlocutores que consideram o debate sobre o tema ainda incipiente, embora, de forma pouco expressiva, o assunto já tenha sido levantado nas Comissões Mista e Especial da Reforma Tributária, por exemplo. No último ano, divergências entre propostas similares somadas à situação epidêmica na qual o país se envolveu fizeram com que a pauta ficasse travada no Congresso.
Mas, apesar do debate moroso, a agenda de valorização e promoção das famílias - cara à base eleitoral do presidente Jair Bolsonaro - passa a ter cada a vez mais espaço no âmbito das discussões da sociedade civil.
"Nós acreditamos que o momento é oportuno para o debate sobre qualquer assunto tributário, em função de toda a movimentação da opinião pública, sociedade civil e do mundo político em torno do tema", afirma Rodolfo Canônico, especialista em Políticas Públicas para a Família pela Universidade Internacional da Catalunha e fundador e diretor-executivo do Family Talks.
Ao mesmo tempo que vê sinalização política positiva com relação ao tema, Canônico não descarta que a proposta corre risco frente à situação fiscal do país, que enfrenta os reflexos da pandemia de Covid-19. "É importante que uma proposta pensando na tributação das famílias atue muito mais no sentido de levar justiça fiscal e progressividade do sistema muito mais do que reduzir impostos. Seria ótimo reduzir impostos, mas na situação fiscal do país isso é muito difícil", afirma.
"Acreditamos que esse projeto traz avanço, sim, por colocar esses temas em debate dentro do Congresso. É hora de a sociedade civil, junto com parlamentares, trabalharem pelos devidos ajustes para chegar a uma proposta que realmente atenda aos anseios da sociedade e promova avanços para as famílias".
Rodolfo Canônico, diretor-executivo de Family Talks.
O princípio norteador das pautas em defesa da família é sustentado pelo artigo 226 da Constituição Federal: "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado". Sob essa perspectiva, acredita-se que o amparo deve se estender a todos os escopos no qual a entidade está inserida. Neste caso, como prevê o PL, o objetivo é garantir o atendimento constitucional da especial proteção da União à família por meio de um modelo tributário mais justo.
"A proteção à família também é indissociável dos objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".
Diego Garcia, deputado federal do Paraná pelo Podemos.
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