No Paraná é mais fácil morrer no trânsito do que assassinado. A constatação se baseia nos dados dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2007, a cada grupo de 100 mil habitantes, 30,4 pessoas sofreram acidentes relacionados ao transporte, enquanto 29,5 pessoas foram vítimas de homicídios. Com 35 mil mortes em 2007, o Brasil ocupa a quinta posição nos números absolutos de mortes no trânsito, perdendo apenas para Índia, China, Estados Unidos e Rússia. Não é exagero, portanto, incluir o trânsito entre as questões prioritárias de saúde pública.As ruas e rodovias são um ambiente onde os motoristas se encontram a todo instante e, por esse motivo, o índice é alto. "Há um número grande de pessoas convivendo e se sujeitando aos riscos, basta ver o que acontece nos feriados", analisa Marcelo Araújo, presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) e professor do Unicuritiba.
Apesar dos números assustadores, é preciso fazer uma ressalva: entre 1992 e 2007, o índice de mortes no trânsito saltou de 18,3 para 20,3 a cada 100 mil habitantes crescimento de 11%. Enquanto só no Paraná a frota de veículos subiu muito mais em um curto período de tempo: o aumento foi de 35% entre janeiro de 2007 e julho de 2010, saltando de 3,7 milhões para quase 5 milhões de automóveis. Esse cenário se repete em todo o Brasil.Causas
Entre especialistas, o mau comportamento é apontado como responsável pelas ocorrências e consequentes óbitos, sobretudo de pedestres. Indicar, no entanto, os motivos que levam os motoristas e transeuntes a desrespeitar as leis não é tão simples.
Não são os carros ou as estradas os responsáveis pelos acidentes: nove em cada dez atropelamentos ou colisões são causados por erros dos motoristas, segundo as estatísticas do Detran-PR. "Costumamos dizer que o acidente é uma infração que não deu certo", afirma a coordenadora de Educação para o Trânsito do Detran-PR, Maria Helena Gusso Mattos.
A diretora de trânsito de Curitiba, Rosângela Battistella, analisa que muitos condutores encontram na direção uma válvula de escape para enfrentar seus problemas. "Às vezes, uma pessoa calma e serena não consegue lidar com o trânsito e não percebe que o carro é uma arma", opina.
Segundo a psicóloga especialista em trânsito Adriane Picchetto Machado, estudos psicológicos mostram que, quando não se sentem em perigo, as pessoas se descuidam e esquecem de dar atenção à própria segurança. Outros dois fatores que favorecem o cometimento de infrações são o anonimato do motorista e a relação de poder dele com a máquina. "É como se o condutor tivesse no trânsito a possibilidade de cometer erros sem se revelar, ainda mais com vidros escuros", diz.
Educação e fiscalização
A solução, então, para os problemas vividos no trânsito passa necessariamente pela educação do motorista, o que acontece com conscientização ou fiscalização. As câmeras e radares no trânsito evitam ocorrências, por exemplo. "Quanto mais vigilância, mais as pessoas são forçadas a andar nos limites", diz o engenheiro elétrico especialista em trânsito e diretor de Negócios Internacionais da Perkons, José Mario de Andrade.
Na avaliação de Maria Helena, a mudança de comportamento ocorre de forma gradativa, com a conscientização por meio de campanhas e fiscalização. Enquanto isso, a fiscalização se transforma em meio de ensinar.
Para educar desde cedo, há quem defenda a inclusão da disciplina sobre trânsito na escola ou a inserção do trânsito no currículo escolar. Conforme o Denatran, o Ministério da Educação trata o trânsito como tema universal e não disciplina obrigatória. Por isso fica a critério das escolas decidirem se tratam do assunto, seguindo normas estabelecidas pelo Contran.
Parentes de vítimas ficam com sensação de impunidade
Para quem perde alguém no trânsito, a sensação, muitas vezes, é de impunidade. A maior parte dos homicídios de trânsito, porém, são considerados culposos (quando não existe a intenção de matar). Apenas em exceções o condutor é indiciado pelo dolo eventual (quando assume o risco de matar). "Nos homicídios comuns, há a intenção de matar. Tradicionalmente, no trânsito, você não encontra a pessoa que joga o carro em cima de alguém para cometer homicídio", esclarece Marcelo Araújo, presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR).
Falta consciência
Na maior parte dos acidentes, a imprudência, a negligência ou a imperícia estiveram presentes. Isso acontece, na avaliação de Araújo, não pela falta de punição, mas pela falta de consciência de condutores e pedestres. "Isso só vai acontecer com o trabalho de base, focando em comportamento", diz. Essa batalha precisa ser encampada pela sociedade: "Por que ninguém mais fuma em vários lugares? Alguém sabe o valor da multa por fumar em lugar público? A própria sociedade impôs esse comportamento e precisa fazer o mesmo com o trânsito", diz.
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