Energia natural
O consumo de carvão vegetal no Brasil está diretamente ligado ao setor industrial, em especial à produção de ferro-gusa e aço.
Finalidade
O carvão vegetal é utilizado como fonte de energia térmica e redutor para produzir ferro metálico a partir do minério de ferro. Como não há enxofre em sua composição, o carvão vegetal melhora a qualidade do ferro-gusa e do aço produzidos, aumentando o preço final do produto.
Processo
A produção de carvão vegetal ocorre pela carbonização da madeira em fornos de alvenaria. Mesmo nos dias de hoje, são processos dispersos, pouco mecanizados e altamente dependentes de trabalho humano.
Origem
Na silvicultura, a espécie mais utilizada para se produzir o carvão vegetal é o eucalipto, devido ao crescimento acelerado e alto poder calorífico, e em menor porcentagem o pinus. Já no extrativismo, normalmente é utilizada a espécie que estiver disponível na região.
Destino
Em geral, a atividade industrial que mais consome o carvão vegetal é a produção de ferro-gusa. Ele também é usado, em menor volume, para a produção de ferro-liga, aço e cimento.
Produto deve ter origem comprovada
A vários metros de distância já é possível sentir o cheiro da fumaça que sai da transformação da madeira em carvão. Mais próximo dos fornos, o céu fica esbranquiçado. Ao ver a aproximação da reportagem, Antônio Gentil de Paula, gerente da carvoaria que funciona em Guarapuava, na região central do estado, não perde tempo. "Vocês não vieram aqui reclamar da fumaça, né?", questiona.
A reclamação sobre a fumaça, feita por um vizinho, é a única que ele pode receber, já que toda a madeira foi fiscalizada pela Polícia Ambiental e a carvoaria tem a autorização do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para funcionar. "Usamos pinus, uma das melhores madeiras para se fazer carvão. Assim que a árvore é cortada, já se planta outra", diz Gentil.
Para que uma carvoaria esteja apta é necessário comprovar a origem da matéria-prima utilizada. O IAP autoriza a utilização de bracatinga, encontrada no chão, restos de serralherias e madeiras de origem exótica, como o pinus. "A pessoa que faz a extração da madeira tem que estar cadastrada no Sistema Estadual de Reposição Florestal Obrigatória (Serflor), para que possamos autorizar o corte", explica Niceu Cezar de Olivera, gerente de fiscalização do IAP em Guarapuava. O Serflor garante a reposição nas áreas onde há corte de matéria-prima de origem vegetal.
Dalner Palomo, especial para a Gazeta do Povo - Guarapuava
Siderúrgicas de Carajás são denunciadas
Na última semana, a cadeia produtiva de aço e ferro-gusa voltou a ser foco de denúncias de irregularidades ambientais e trabalhistas. Uma publicação do Instituto Observatório Social mostra que, em siderúrgicas do polo de Carajás (PA), exportadoras de ferro-gusa usam carvão obtido por meio do desmatamento ilegal e do trabalho escravo. Os grupos teriam presença e apoio de empresários, políticos e servidores públicos do Pará.
Apesar de já ser o principal meio de se obter carvão vegetal no país, a opção pela silvicultura (utilização de árvores plantadas) ainda é insuficiente para atender à demanda crescente de madeira para a indústria e para o uso energético. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Energia e Eletrotécnica da Universidade de São Paulo (IEE-USP) mostram que, nos últimos 20 anos, a área de florestas plantadas é praticamente constante. Os investimentos de grandes siderúrgicas no plantio de madeira, apesar de crescentes nos últimos anos, não conseguem freiar a produção de carvão a partir de matas nativas o que ocasiona o desmatamento de áreas florestais como o cerrado e a caatinga e a consequente emissão de gases de efeito estufa.
Nas últimas duas décadas, só houve diminuição significativa no uso do extrativismo para se obter carvão no período entre 2008 e 2009, quando explodiu a crise financeira internacional, que acabou fazendo com que empresas siderúrgicas brasileiras desligassem parte dos fornos. Estudo do IEE-USP estima que, somente em 2005, ano em que a produção nacional de carvão a partir de árvores nativas atingiu o ápice, somando 2,972 milhões de toneladas, foram desmatados ilegalmente 245 mil hectares e emitidas 72 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera, devido à ação das siderúrgicas. No setor, o carvão vegetal é utilizado quase que exclusivamente para transformar minério de ferro em ferro-gusa.
Segundo o IBGE, a situação é ainda mais crítica no Paraná, estado em que a produção de carvão vegetal se dá em grande parte por meio do desmatamento, ao contrário do cenário nacional. De 1990 a 2009, o Paraná foi o sétimo estado que mais utilizou florestas nativas principalmente a bracatinga para produzir carvão (veja infográfico). Somente entre 2005 e 2009 a produção no estado chegou a 905,6 mil toneladas, e 76% do carvão vegetal foi obtido por meio do extrativismo, principalmente na Região Centro-Sul.
Valor
Para especialistas, a disparidade de preços entre o carvão vegetal obtido por meio da silvicultura e pelo extrativismo é um dos principais fatores que ainda freiam a busca por uma produção ambientalmente sustentável. Em média, o valor do carvão proveniente de florestas plantadas é 20,5% maior do que aquele que vem de árvores nativas. No Paraná, o perfil dos produtores reforça esse cenário: em geral são pequenos agricultores, que veem no carvão uma renda complementar e não têm condições de investir no plantio de árvores para obter o carvão.
"A diferença de preço é devido aos custos de produção da madeira, como o plantio, tratos culturais e colheitas, que não existem no carvão do extrativismo, além da disputa pela indústria de papel e celulose pela mesma madeira que poderia ser utilizada para produzir carvão vegetal", explica o físico e doutor em Energia pela USP Alexandre Uhlig.
Efeitos
Mesmo o uso da silvicultura, porém, é preciso ser visto com restrições, alerta o engenheiro florestal e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Alexandre França Tetto. Para ele, um dos impactos causados pela indústria siderúrgica é a perda de diversidade biológica em relação à cobertura florestal existente. "A mesma legislação que incentiva a silvicultura acaba dificultando o manejo e plantio de espécies nativas, além de não motivar a conservação dos remanescentes florestais. Assim, é mais fácil e prático cultivar espécies exóticas como o pinus e eucalipto do que cultivar espécies nativas", defende.
A ressalva não significa que a produção de carvão vegetal no país esteja em meio a um impasse sem solução. Para Uhlig, que também é responsável pela área de sustentabilidade do Instituto Acende Brasil, o incremento da fiscalização e o aprimoramento das técnicas de produção do carvão que ainda é um processo rústico, altamente dependente do trabalho humano podem ajudar a promover a ampliação da área florestada no Brasil, com estratégias ecológicas mais modernas. "Infelizmente, as iniciativas para a sustentabilidade do carvão vegetal no Brasil são lentas", critica o físico. "Sinto falta da inclusão da madeira no planejamento energético do país, principalmente se considerarmos que trata-se da nossa quarta maior fonte de energia", diz.
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