Idosos jogados em camas sujas, cheiro de urina e fezes no ambiente, visitas controladas, áreas restritas e medicamentos administrados sem controle. A rotina dos antigos asilos termo abominado por especialistas em geriatria e gerontologia tem sido modificada ao longo dos anos. A pressão da sociedade já levou a avanços nesse setor, como a lei de saúde mental e as normas regidas pelo Estatuto do Idoso e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que determinam padrões mínimos de atendimento ao idoso encaminhado a instituições. Mas, sem a fiscalização do poder público e da sociedade, corre-se o risco de os antigos asilos não serem completamente dizimados e suas rotinas de horror serem replicadas, ainda que em menor escala.
Em grandes centros, como Curitiba, a fiscalização sistemática funciona para manter a qualidade do atendimento ao idoso internado em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI). Uma força-tarefa, formada pelo Ministério Público Estadual, Vigilância Sanitária, Fundação de Assistência Social, Secretaria Municipal de Saúde e entidades ligadas à defesa dos direitos dos idosos, faz uma vistoria permanente em casas de repouso.
De acordo com a chefe de serviços da Vigilância Sanitária de Curitiba, Lucinéia Bencke Lino, as 72 instituições da capital 63 delas em funcionamento têm acompanhamento constante da equipe de fiscalização. Antes mesmo de abrir, o estabelecimento já é monitorado pelo programa, instalado em 2002. O objetivo é garantir a cobertura de todas as instituições que abrigam 1.275 idosos na cidade. "No começo, as notificações eram mais básicas, quanto à qualidade da alimentação, higiene e estrutura física. Agora, temos de brigar pelos indicadores: qualificação e quantidade de profissionais distribuídos entre os internos, por exemplo", explica Lucinéia.
Migração
Quando a fiscalização aperta, as casas clandestinas acabam migrando para a região metropolitana de Curitiba, onde a atividade tem pouco ou quase nenhum controle. É comum encontrar na periferia dos municípios vizinhos um abrigo improvisado, que já tenha sido notificado na capital, funcionando como ILPI, sob a responsabilidade de uma senhora abnegada, que faz assistência social em troca, muitas vezes, da pensão ou aposentadoria do interno, mesmo que à revelia dele. "Caridade se faz com o Altíssimo. A lei, aqui, com o Meritíssimo", compara a promotora de Justiça Rosana Bevervanço, do Ministério Público do Paraná.
Responsável pela Promotoria do Idoso, Rosana quer mobilizar administrações públicas, entidades de saúde e de defesa de direitos para implementar na região metropolitana a rede de fiscalização que funciona na capital. Para isso, convocou para amanhã uma reunião com representantes dos municípios, onde serão debatidas formas de prevenir essa migração. "O município é responsável civil pela situação de fragilidade que uma instituição possa promover com seus internos. Mas muitos fazem vista grossa para a clandestinidade porque não dariam conta de atender a demanda que as casas improvisadas absorvem. Preferem correr o risco a fazer cumprir as normas sanitárias", diz.
Na visão da promotora, a falta de políticas públicas voltadas à assistência de idosos piora ainda mais a situação dos abrigos clandestinos. Essas instituições deveriam ser a exceção e não a regra da assistência. Mas é a primeira opção de atendimento a idosos a que o gestor público recorre quando é cobrado. "Os asilos vão existir sempre. Mas devem ser a última alternativa, destinada a quem não tem família ou não quer morar sozinho. Deve-se priorizar a integração do idoso à sociedade e ao ambiente familiar", afirma.
A promotora cita modelos de centros-dia, centros de convivência e condomínios especializados em terceira idade como alternativas mais adequadas. "Quando a sociedade e os políticos entenderem que a assistência ao idoso frágil integrado é mais barata do que o institucionalizado, pode ser que essa dinâmica mude", comenta. "Onde a atividade do estado é inexistente, abre-se caminho para a exploração. Se o poder público não assume o cuidado, pelo menos que promova a fiscalização."
Para quem dirige uma instituição de idosos, a responsabilidade é repartida também com a família. As casas de apoio devem ser vigiadas por quem recorre ao serviço, seja público ou particular. Essa postura vai ajudar o setor a ser cada vez mais profissional. Há cinco anos, as irmãs Elizabeth e Cristina Gerhl tentaram formalizar uma associação de casas de repouso, para qualificar o serviço e adotar padrões mínimos de atendimento. "A adesão foi zero. Muita gente não achava importante comprar uma geladeira para garantir uma alimentação de qualidade ao seu hóspede", diz Elizabeth. Para as irmãs, empresárias do setor, a sociedade ainda precisa encarar sem rodeios o envelhecimento e suas necessidades. E ter informação sobre um processo natural, a que todos são submetidos. "É isso que vai ajudar a família a fazer exigências adequadas para ter um serviço cada vez melhor", diz Cristina.