No dia 26 de maio de 1945, Maria Luiza Kowalski, aos 18 anos, disse “sim” a Antonio Kucaniz, 22 anos, na Paróquia Sant’Ana de Abranches, em Curitiba. Eram 9 horas da manhã. Caía uma garoa e fazia frio. O tempo estava parecido com o da noite de terça-feira (26), na fria e úmida capital paranaense, quando os descendentes de poloneses e pioneiros no bairro completaram 70 anos de uma história de amor. O resultado é uma família de sete filhos, 17 netos e nove bisnetos. Parte desta grande família esteve presente em uma surpresa feita ao casal, de 88 e 92 anos, na terça.
Foi com uma espécie de seresta que filhos, netos e bisnetos entraram com velas acesas e cantaram Como é grande o meu amor por você, de Roberto Carlos. Os versos tiraram lágrimas e sorrisos tímidos dos dois. Também trouxeram lembranças da trajetória de lutas, erros e acertos. Para a Iza – como é mais conhecida – a fórmula para uma união de 70 anos nada mais é do que ter “amor, paciência, fé, fidelidade e compreensão”, diz. “E ser cega, surda e muda”, frase que causou muitas risadas. Antonio, por sua vez, arremata: “melhor que isso, impossível”, em resposta sobre a grande história de amor.
O tempo fluiu, mas as lembranças da data passada foram quase as mesmas quando 28 familiares – entre filhos, netos e bisnetos – chegaram munidos de sorrisos, lágrimas e cantoria. O aniversário de casamento teve direito a duas músicas em coro, muitas gargalhadas, beijos e abraços. Enquanto isso, a bisneta Julia, de dois meses, dormia.
Alguns familiares não estão no Brasil, mas deram um jeito de participar das homenagens. O bisneto Yan, que mora no México, a neta Vânia, que vive em Barcelona, enviaram vídeos. Ao fim da mensagem o que se viu foram lágrimas de saudades. “Pena estarem tão longe!”, suspirou a octogenária.
No final das contas, o encontro foi uma “bênção”, afirma a filha Maria Arlete Kucaniz, 67 anos. As filhas Maria Arlete e Rosana são as únicas que ainda moram com os pais. “É uma preciosidade ter uma família reunida exatamente por causa deles. Eles são um exemplo de amor e de tolerância”, complementa a neta, Giovana Kucaniz, de 39 anos. As festividades vieram em dose dupla. Além das Bodas de Vinho, Antonio faz aniversário nesta sexta (28); completará 93 anos.
Os filhos e netos organizam para o próximo sábado (30) uma missa com a renovação dos votos na Igreja Sant’Ana de Abranches e uma comemoração festiva no salão paroquial com mais 170 pessoas entre parentes e amigos.
A primeira festa
A casa no Abranches, que foi o cenário da homenagem, demorou sete anos para ser construída. Assim como a comemoração dos 70 anos de matrimônio, a primeira festa também foi realizada na casa da família de Iza. O pai da noiva, Joaquim, retirou duas paredes da casa para abrir espaço para os convidados. Uma típica festa polaca com direito a almoço, café da tarde, jantar e o prolongamento até a meia-noite. Só não invadiu a madrugada porque a mãe da noiva, Heloisa,deu um basta. No outro dia comemorava-se o dia do Espírito Santo. Para a família católica, dia santo e sagrado.
Na pequena mesinha no canto da sala há um vasos de flores; o casal recebeu muitas em 2015. Já em 1945, os presentes foram singulares, mas úteis para a época: um penico, seis xícaras, seis pratos, um jogo de jantar dos padrinhos, um lampião à querosene e um casal de frangos carijó – esses foram presentes da irmã Rosália.
Na lembrança de Iza ficaram os conselhos para o casamento e para o sucesso da trajetória dados pelo tio Francisco Krasinski. Dos agrados, o machado veio com o recado que serviria para enobrecer o trabalho; e a colcha, da tia Adelaide, era para o casal não se esquecer de rezar o Credo todas as noites. Trabalho e fé estiveram sempre de mãos dadas nestes últimos 70 anos, destaca Iza.
Do armazém à pastelaria
Após o casamento, Iza e Antonio contam que foram morar em uma chácara na Rua Prósdocimo Lago, no bairro Taboão. Ficaram por lá durante três anos. Abriram um armazém de secos e molhados. Enquanto Iza atendia no balcão e contava com ajuda dos filhos, que se revezavam em turnos após a escola, Antonio entregava doces, bolos e café empacotado com a ajuda de uma carrocinha. O espaço foi vendido, mas ainda existe. Um bar funciona na antiga casa de arquitetura típica do fim do século passado.
Os filhos foram chegando e as exigências também. Depois do quarto herdeiro, a família investiu em um açougue. Depois partiu para a pastelaria na Dr. Muricy, no Centro de Curitiba. Antonio aprendeu a fazer pastel com um chinês. Do outro lado, Iza costurava como ninguém.
Depois foi a vez da fábrica de balas, que se localizava no Ahú de Baixo. Com o tempo, transferiram o empreendimento as proximidades do endereço atual, na Rua Mateus Leme. Assim como no atendimento do secos e molhados, os filhos também ajudavam na lida enrolando balinhas. Com a morte do baleiro, Antonio e o sócio, José Novakoski, fecharam a fábrica e voltaram para trás do balcão com um novo comércio. Fabricavam sorvetes. Ao todo, foram 35 anos de comércio.
A comunidade, a igreja e outras atividades
Mas nem tudo era trabalho. Em meio às atividades comerciais também sobrava tempo para a Sociedade Beneficente Abranches (Soba). Durante 23 anos, Antonio foi presidente da Soba. Ele e Iza também se dedicaram às atividades da Paróquia Sant’Ana de Abranches. Eles integraram a comissão da igreja, o que fazem até hoje. Iza foi além. Esteve à frente dos programas de voluntariado da igreja, como Mensageira de Maria, como membro do Coral Sant’Ana e do grupo da Terceira Idade.
Atualmente, o casal mora na mesma casa, construída na década de 1970. Iza continua na cozinha e, vez e outra, lembra-se da máquina de costura que tanto lhe ajudou no passado a aumentar as finanças. Foi costureira por anos e deu curso de corte e costura no Magic Corte, no Centro da cidade. Não se esqueceu também do crochê e do bordado. Antonio cuida do jardim e da horta. Mantém os horários sagrados da leitura do jornal e adora um joguinho de baralho com os genros nas festas de família.
O casal Kucaniz vive um grande amor “na saúde e na doença; na alegria e na tristeza; até que a morte os separe”. Agora eles já aguardam as próximas bodas. Daqui a cinco anos, Maria Luiza e Antonio esperam completar 75 anos de casamento, as Bodas de Brilhante.