Preconceito
Campanha quer desmistificar a ideia de que estrangeiros "roubam empregos" dos brasileiros
A Casla lança hoje a campanha "Somos Todos Migrantes", em parceria com a OAB-PR, para informar a sociedade sobre a situação de refugiados e migrantes no Brasil. A campanha faz parte de um esforço internacional para debater a questão dos dois lados da travessia.
"A sociedade não sabe quem são essas pessoas e o que elas estão fazendo aqui", aponta Gladys de Souza Sanchez, presidente da Casla. "Existe o preconceito de que eles roubam empregos dos brasileiros, quando na verdade enriquecem nossa cultura e economia".
O objetivo também é conscientizar o poder público sobre a necessidade de uma modificação no Estatuto do Estrangeiro. A legislação em vigor foi promulgada em 1980, no fim da Ditadura Militar, mas ainda carrega no texto uma preocupação com a segurança nacional. "Hoje temos imigrantes graduados em trabalhos braçais de construção civil e comércio. É um desperdício de talento", ressalta Gladys.
Resgate
Um dos casos mais dramáticos envolvendo refúgio no Paraná ocorreu em dezembro de 2011, quando um grupo de nigerianos clandestinos foi descoberto em um navio e proibido pela Polícia Federal de desembarcar. Após a atuação de advogados voluntários, os nove refugiados foram beneficiados por um habeas-corpus e puderam entrar no país. Mais tarde, tiveram auxílio para encontrar emprego e moradia no estado.
A Casla defende que o apoio aos imigrantes seja feito também nas esferas estadual e municipal. "O Paraná é um estado multiétnico construído por imigrantes e descendentes. Que essa história de sucesso possa continuar".
Embora a Casa Latino-Americana (Casla) ofereça cursos à comunidade, não é preciso sentar na carteira para se ter uma aula de Geografia. Ali, descobre-se rapidamente que a cultura do continente é muito mais diversa que o espanhol e o português que supostamente nos aproxima. Dos haitianos ilegais, que atravessaram a fronteira via coiotes pelo Acre, aos paraguaios que aqui ganharam anistia, cria-se uma convergência que coloca o Brasil como o novo "Eldorado" do Cone Sul. A instituição, fundada há 30 anos, tornou-se referência em auxílio a imigrantes e refugiados. São pessoas em busca de documentação, moradia, emprego. Para eles, a recepção da entidade é o lugar em que o sonho brasileiro dá lugar à realidade.
A Casla não sabe precisar quantas pessoas atende, mas são dezenas por semana. Algumas pedem informações e vão embora sem deixar contato. No caso de maior envolvimento, dois voluntários da entidade se tornaram locador e fiador de uma casa para um grupo de imigrantes. O principal suporte é a assessoria jurídica realizada por uma banca de seis advogados, que atua para garantir o acesso à regularização e oportunidades de trabalho. "O governo brasileiro concede os vistos, mas isso não é o suficiente para inseri-los plenamente na sociedade. Temos muitos casos de exploração de mão de obra e preconceito por causa de diferenças étnicas", ressalta Nadia Floriani, voluntária na Casla e presidente da Comissão de Direitos dos Refugiados e Migrantes da OAB-PR.
Além do boca a boca entre os migrantes, a Casla é procurada por indicação da Polícia Federal, consulados e Agência do Trabalhador. Para a entidade, isso revela uma lacuna no serviço de acolhimento aos migrantes e refugiados. O Brasil não cria bloqueios na fronteira, mas após colocar os dois pés para dentro, estão à própria sorte. "Precisamos rever essa postura", defende Nadia.
Integração
A presidente da Casla é a uruguaia Gladys de Souza Sanchez, uma médica que imigrou para o Brasil em 1981. Tantos anos depois, o português dela ainda não substituiu o "ón" pelo "ão" o que serve como lembrete constante da transnacionalidade do espaço. "Quando chegamos aqui, percebemos que havia um desconhecimento grande sobre a realidade do continente. A cidade, em particular, era mais voltada para a Europa, de onde vieram os imigrantes fundadores. Então fundamos a Casla para promover a integração", lembra.
O primeiro grupo era formado por professores e profissionais liberais que fugiram das ditaduras do Chile, Argentina e Uruguai, o que contribuiu para que a entidade assumisse uma função acadêmica, ministrando cursos e ciclos de estudos livre. Hoje mantém no corpo de voluntariado historiadores, sociólogos e geógrafos, entre outros profissionais de Ciências Humanas.
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