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Saúde em crise

Caso Evangélico tem mais prisões

A médica Maria Israela foi detida ontem e levada ao Nucrisa para prestar depoimento | Átila Alberti/ Tribuna do Paraná
A médica Maria Israela foi detida ontem e levada ao Nucrisa para prestar depoimento (Foto: Átila Alberti/ Tribuna do Paraná)
Cíntia:

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Cíntia:

A Justiça determinou a prisão temporária de mais quatro médicos ligados ao Hospital Evangélico, de Curitiba. O pedido foi feito pelo Núcleo de Repressão aos Crimes Contra a Saúde (Nucrisa), da Polícia Civil do Paraná, que investiga supostos homicídios que teriam ocorrido na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) geral da instituição.

O Nucrisa não esclareceu o motivo da prisão e nem a relação dos quatro com a chefe da UTI geral, Virginia Helena Soares de Souza, detida desde terça-feira. Ela é suspeita de ter abreviado a vida de pacientes do SUS, e pode ser indiciada por homicídio qualificado, quando a vítima não tem condições de se defender.

As quatro pessoas que tiveram a prisão decretada são médicos que trabalhavam na UTI. Dois deles foram presos no início da manhã e levados à delegacia do Nucrisa, no centro da capital, para prestar depoimento. O terceiro se apresentou voluntariamente. Até o fechamento desta edição, não se sabia o paradeiro do quarto médico.

Um dos médicos é Maria Israela Cortez Boccato, que trabalhou cerca de seis anos no hospital. Ela deixou de trabalhar no local há um ano e meio por falta de pagamento, segundo a irmã dela Luciane Boccato, que foi ao Nucrisa pela manhã. Luciane disse que desconhece as acusações da polícia contra a equipe de funcionários do Evangélico. O advogado da médica, Leonardo Buchmann, não quis se pronunciar sobre a prisão.

Também foram presos os anestesistas Edison Anselmo da Silva Júnior e Anderson de Freitas. Segundo o advogado Elias Mattar Assad, não se sabe qual a acusação que motivou o pedido das prisões temporárias.

Escutas telefônicas

A Justiça converteu ainda o mandado de prisão temporária de 30 dias contra Virginia em prisão preventiva, segundo a Polícia Civil. Em nota, a delegada titular do Nucrisa, Paula Brisola, afirma que ficou esclarecido que a médica exercia de fato a função de diretora da UTI. "Mas ela não é intensivista, por isso quem assinava por ela como chefe da UTI era outro médico", diz o texto. A reportagem tentou contato com a assessoria de imprensa do hospital, mas ninguém atendeu as ligações.

Assad, que defende Vir­­gi­­nia, apresentou ao Nucrisa uma autorização do juiz Pedro Sanson Corat para que ele tenha acesso às gravações telefônicas que embasam a investigação.

Na sexta-feira, após conseguir acesso a uma parte do inquérito, Assad disse que a Polícia Civil apura as circunstâncias de seis óbitos e que havia um policial infiltrado como enfermeiro na UTI geral do Evangélico. En­­tretanto, ele ainda não viu relatório feito pelo agente infiltrado, e por isso afirma que a investigação está baseada apenas em depoimentos de familiares.

A médica nega, segundo o advogado, a acusação de decidir sobre a morte de pacientes.

As dores e dilemas no leito de morte

Mauri König

Durante sete anos a médica Virgínia Helena Soares de Souza atuou na UTI do Hos­­pital Evangélico de Cu­­ri­­tiba, até ser presa há cinco dias acusada de homicídio por precipitar a morte de pacientes. A repercussão lançou mais pressão sobre quem já trabalha no limite entre a vida e a morte, num ambiente confinado, com alto nível de estresse, lidando com UTIs lotadas, dramas familiares e casos perdidos, com o risco de tomar uma decisão errada. E não há maior conflito ético para um médico do que ter de decidir pela vida ou pela morte de um paciente.

O médico intensivista é antes de tudo um obstinado, diz a presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná, Cíntia Grion. Ele insiste na terapêutica para reverter o quadro do paciente porque a maioria é tratável. Há, porém, casos irreversíveis. É nesse ponto que os menos experientes têm dificuldades para encontrar o momento de interromper o tratamento. Mas existe a hora certa para desistir de uma vida? A decisão acaba se pautando mais pela ponderação jurídica do que pelo diagnóstico clínico.

Distinção

O dilema de desligar ou não o aparelho que mantém alguém vivo decorre em grande parte das diferentes interpretações de três palavras cuja raiz é a mesma: thanatos, ou morte. A confusão se instala quando o médico acredita que ao promover a ortotanásia terá as mesmas consequências penais da eutanásia, e assim opta pela distanásia. Tudo fica mais claro quando se distingue uma da outra.

Na eutanásia, o paciente terminal ou sua família decide pela interrupção dos fenômenos biológicos com a retirada dos aparelhos ou medicamentos que o mantêm vivo. A ortotanásia consiste em suspender o tratamento que mantém artificialmente a vida, deixando o paciente morrer de forma mais confortável. Já a distanásia prolonga artificialmente a vida de um doente terminal sem perspectiva de cura ou melhora.

Mas sob que vértice se discute a bioética da distanásia? Muitos pacientes em fase terminal têm a vida prolongada não por opção própria, mas porque os médicos não oferecem a opção pelo fim do tratamento. O tema recém ganhou corpo nos fóruns médicos. Só de dez anos para cá se teve a coragem de debatê-lo abertamente. Nos Estados Unidos, ganhou normatização em 2001; no Brasil, entrou em 2009 para o código de ética do Conselho Federal de Medicina, que condena a distanásia.

Há o temor do vazio interpretativo deixado pela legislação. O Código Penal tipifica a eutanásia, mas nada fala da ortotanásia, que num tribunal poderia ser interpretada como homicídio qualificado porque a vítima está indefesa. Já do ponto de vista ético, a suspensão ou a não introdução de um tratamento são equivalentes, observa Cíntia.

Decisão deve incluir a família

A única segurança para o médico é ouvir a família no caso de interromper o tratamento de um paciente terminal. Numa decisão em conjunto, os familiares saberão não se tratar de homicídio. Os fóruns médicos no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos deixam claro que nenhum médico pode tomar sozinho a decisão, mesmo em caso de distanásia. "Não é ético a decisão ficar só nas mãos do médico", diz a presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná, Cíntia Grion. Contudo, não é fácil mesmo quando a família é convidada a opinar.

A legislação brasileira reconhece a morte encefálica. Mas Cíntia já se deparou com casos em que o paciente permaneceu morto durante dias e família não aceitava o diagnóstico porque o coração ainda batia. Um grande dilema, porque sempre há pacientes à espera do leito da UTI. "Mas não se pode passar por cima dos sentimentos da família", diz Cíntia. Há nesse comportamento uma mistura de questões culturais, religiosas, afetivas.

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