Pressionar funcionários de uma empresa por debaixo dos panos a praticar censura, apoiando-se ilegalmente no expediente do segredo de Justiça – como teria feito o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de acordo com as informações do Twitter Files Brasil e dos documentos divulgados pelo Congresso americano –, é, por si só, fundamento suficiente para o impeachment de magistrados implicados nesses atos.
Juristas consultados pela Gazeta do Povo afirmam que, ao menos em tese, as decisões judiciais e os diálogos entre TSE e X/Twitter envolvendo exigência de censura e ameaças de multas desproporcionais, especialmente por terem sido feito às ocultas, configurariam crime de responsabilidade. Magistrados envolvidos seriam os principais responsáveis criminalmente pelo ocorrido e, por isso, poderiam sofrer impeachment.
A possibilidade de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde 2022, é vista neste momento como remota, especialmente porque o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tenderia a ignorar pedidos nesse sentido. O conjunto de atos abusivos e a gravidade das últimas denúncias, contudo, têm aumentado a pressão contra a omissão de Pacheco, especialmente por parte de parlamentares da oposição engajados na luta pela liberdade de expressão.
Até agora, o documento divulgado pelo Congresso americano e as correspondências desveladas pelo Twitter Files Brasil deixam claro que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE):
- Obrigou o Twitter a remover conteúdos enquanto mantinha em sigilo as justificativas específicas para essas ações, o que é inconstitucional;
- Exerceu pressão sobre a plataforma ameaçando-a com multas exorbitantes e estabelecendo prazos extremamente limitados para a implementação das medidas de censura, o que também é inconstitucional;
- Realizou reuniões privadas com representantes do Twitter nas quais reiterou pedidos de monitoramento e censura a conteúdos e usuários da plataforma, o que também é inconstitucional, já que audiências desse tipo só poderiam ocorrer publicamente.
Em muitos casos, as redes podiam dizer apenas que a remoção de conteúdo atendia a ordem judicial, sem especificar de qual instância da Justiça partia a determinação. Elas não tinham acesso às justificativas da remoção. Mais do que isso, de acordo com Elon Musk, em alguns casos, o Twitter teria recebido ordens de Alexandre de Moraes para suspender contas de parlamentares e jornalistas sem poder dizer ao público que a censura ocorria a mando da Justiça. "Tínhamos que fingir que era devido às nossas regras", alegou o empresário há alguns dias.
Na semana passada, influenciadores de esquerda acusaram Musk de contradição e hipocrisia porque ele permitiu que o X acatasse pedidos de censura na Índia em 2023, alegando: "Não podemos violar as leis do país". No Brasil, contudo, a situação é distinta: o empresário aponta atuação da Justiça à margem da lei, camuflando pedidos ilegais de censura.
Adriano Soares da Costa, especialista em Direito Eleitoral, afirma que não cabe à Justiça Eleitoral "impor às plataformas exigências que conflitem com o ordenamento jurídico, a transparência e publicidade das suas decisões, sobretudo no campo do exercício do poder de polícia". "A Justiça Eleitoral pode conversar e tratar administrativamente com as plataformas, porém deveria fazê-lo em sessões públicas com a participação dos partidos políticos e do Ministério Público Eleitoral. Isso é comum na administração das eleições", diz.
Para a consultora jurídica Katia Magalhães, a situação se enquadra na "Lei dos Crimes de Responsabilidade" (ou "Lei do Impeachment"). "O fato me parece se encaixar em pelo menos dois fundamentos previstos na Lei do Impeachment para o afastamento de ministro do Supremo: a prolação de decisão apesar da sua condição de suspeito na causa, e a adoção de procedimento incompatível com a honra, a dignidade e o decoro inerentes às funções", afirma.
Em primeiro lugar, explica ela, o magistrado não pode julgar ações em que figure como eventual vítima. "No caso concreto, não pode impor medidas contra alguém por ter proferido falas que entendeu atentatórias à sua própria pessoa", diz.
Além disso, observa a jurista, "o mero uso da toga para a imposição de determinações não fundamentadas, sob pena de sanções não previstas na legislação, pode vir a caracterizar delito de ameaça de um mal injusto e grave a outrem, o que é incompatível com a impessoalidade e o decoro institucional inerentes à função do julgador".
Sobre as reuniões privadas mantidas com executivos de redes sociais para solicitar censura, Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, ressalta que "o juiz não é um advogado de uma parte ou de alguma causa, que deva se reunir com instituições para fazer lobby". "Isso representa o aprofundamento das distorções no comportamento do Judiciário – do STF, em particular –, em relação aos princípios da inércia da jurisdição, da imparcialidade do juiz, e, na verdade, também da separação entre os poderes, já que se coubesse a algum órgão estatal essa interlocução, provavelmente seria o MP [Ministério Público], mas jamais a magistratura", critica. "Além disso, o juiz está claramente atuando de forma política. Tem mais essa violação dos deveres do magistrado. Ele está esposando uma determinada posição política e atuando em consequência. Isso caberia a um partido político, a um movimento ou a iniciativas individuais."
Chiarottino recorda que constituem crimes de responsabilidade dos ministros do STF, entre outras coisas, "exercer atividade político-partidária" e "proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções". Para ele, enquadrar as condutas ilegais do TSE nessas hipóteses de crime de responsabilidade "não é tão simples". "Mas claro que, ao fim e ao cabo, o processo de impeachment é um processo muito mais político do que jurídico, então o enquadramento por tipos como 'falta de decoro' fica mais facilitado", diz.
O que a Justiça Eleitoral pode fazer – e o que não pode
Soares da Costa explica que a Justiça Eleitoral tem duas funções distintas: uma administrativa, como organizadora das eleições, e outra jurisdicional, como julgadora de ações e recursos.
Na função administrativa, a Justiça Eleitoral pode determinar a retirada de postagens, inclusive com a possibilidade de se dirigir diretamente à rede social para isso, mas sempre tornando a decisão pública e assegurando o direito de defesa. "Essa decisão há de ser pública e deve dar oportunidade ao exercício do contraditório, ainda que em prazos curtos, comuns durante o processo eleitoral, por vezes contados em horas", esclarece. "Suspender postagens sem indicação do link viola a lei que rege o marco legal da internet. Suspender perfis com titulares identificados é censura prévia, ainda mais quando não se dá aos seus titulares o amplo direito de defesa e não se respeita o devido processo legal", acrescenta.
O jurista recorda que, nas últimas eleições, o TSE "inovou a legislação eleitoral – sem edição de lei e sem observância das normas do Marco Civil da Internet –, criando procedimentos rápidos de suspensão de postagens e de contas, premindo as plataformas por meio de elevadas multas por descumprimento". "Essa resolução [23.714 de 2022], julgada constitucional pelo STF, transformou o TSE em substituto do Congresso Nacional, indo muito além do seu poder regulamentador", comenta.
A atuação por debaixo dos panos do TSE, com decisões mantidas em segredo sem motivo razoável, é "conduta inadmissível, sob qualquer circunstância", afirma Katia Magalhães. "A publicidade e a transparência de inquéritos e processos judiciais são princípios constitucionais, razão pela qual o segredo de justiça só pode ser decretado em decorrência de condições excepcionais, que, por isso mesmo, são descritas no Código de Processo Civil", diz. Algumas dessas exceções são, por exemplo, o interesse público, a preservação da intimidade do núcleo familiar e a existência de controvérsias em torno de processo arbitral.
"Contudo, até mesmo nas raras hipóteses de segredo de justiça, todos os atos processuais, incluindo-se aí todos os despachos, atas de audiência e demais formas de interação entre um magistrado e as partes sob sua jurisdição, têm de ser registrados nos autos, seja em sua forma física ou virtual", acrescenta.
A jurista considera "uma aberração" a ideia de que uma rede social tenha recebido ordens para fingir que censuras impostas por um magistrado se davam devido às regras da empresa, como alegou Musk. "Consiste em uma aberração, inconcebível em qualquer Estado de Direito, a prolação de um certo julgado, mediante a condição de que uma das partes afetadas seja levada à falsa crença de que seu âmbito de liberdades tenha sido atingido por força de normas internas de uma empresa, e não em virtude de decisão judicial", critica. "Eventual negociação por debaixo dos panos tornaria ainda mais reprovável a conduta do ministro, evidenciando o seu ardil em estabelecer, no interior do tribunal, uma verdadeira organização criminosa sob o seu comando."
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