As evidências de que Alexandre de Moraes usava seu gabinete paralelo dentro do Poder Judiciário para pedir relatórios contra direitistas reacenderam na oposição a esperança de que os inquéritos ilegais relatados pelo ministro tenham um novo destino, seja com a anulação dos processos ou o impeachment de Moraes.
Juristas consultados pela Gazeta do Povo veem nas revelações desta terça-feira (13) feitas pela Folha de S.Paulo motivos suficientes, do ponto de vista técnico, tanto para a anulação dos processos como para Moraes cair. Eles são céticos, contudo, em relação à viabilidade desse desfecho do ponto de vista das relações de poder, ao menos no curto prazo.
"Acho difícil. A maioria do STF está muito fechada com o Moraes nesses pontos [como a punição severa aos réus do 8 de janeiro e a censura da direita nas redes]. A gente já está em uma situação em que não se respeita mais o devido processo legal, o princípio do juiz natural… Princípios constitucionais não são mais respeitados. Não dá para confiar que isso tenha algum impacto nesses processos", comenta Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP.
A sensação de que não só o STF como toda a elite do sistema político brasileiro está fechada com Moraes aumentou nesta quarta-feira (14), um dia depois das denúncias.
Ministros do Supremo correram para tentar blindar Moraes da pressão da opinião pública, assim como a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Advocacia Geral da União. Além disso, veículos como Poder 360 e a CNN apuraram que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não pensa em agir contra o ministro.
Para o advogado e mestre em Direito Homero Marchese (Novo), ex-deputado estadual do Paraná, Moraes ainda está protegido por seus colegas, e "os órgãos de persecução penal parecem estar alinhados com o Supremo Tribunal Federal e com a Procuradoria-Geral da República". A curto prazo, por isso, ele é cético em relação a um desfecho com anulação dos processos.
A longo prazo, contudo, ele considera que as revelações feitas pela Folha podem ter o impacto de ajudar a desmontar o esquema de censura montado por Moraes. "Talvez, mais para frente, isso possa desencadear a responsabilização penal dos envolvidos e a anulação dos processos. Acho que é importante [a denúncia], porque vai se pavimentando o caminho para isso", afirma.
Marchese é uma das vítimas das ilegalidades de Moraes. Ele foi censurado em novembro de 2022 e teve suas redes sociais bloqueadas durante meses por ter emitido uma opinião sobre possíveis inconsistências na segurança das urnas eletrônicas brasileiras. Em maio, a Justiça do Paraná determinou que Marchese deveria receber da União uma indenização de R$ 20 mil pelos danos morais decorrentes da censura, mas Moraes cassou essa decisão.
Embora seja cético quanto a um efeito imediato de anulação dos processos de censura, Marchese acredita que as denúncias abrem caminho para uma mudança na opinião pública.
"Antes de tudo, é importante do ponto de vista moral, para deixar claro para a sociedade brasileira o que acontecia nesses processos. Apesar de vários abusos já terem sido divulgados pela imprensa, muita gente ainda não tinha ideia da gravidade. E eu acho que essas últimas revelações acabam com isso. É o juiz do caso pedindo para o auxiliar produzir a prova que ele vai analisar. É um escândalo histórico no Brasil", observa.
Revelações mostram que inquéritos deveriam ser anulados
Para Adriano Soares da Costa, especialista em Direito Eleitoral, o conteúdo revelado na terça deveria impactar todos os processos em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) produziu laudos para embasar inquéritos do STF. Segundo ele, as revelações deixam claro que "os inquéritos que tramitam no STF não possuem qualquer base constitucional".
Soares da Costa critica a tese, usada por defensores de Moraes, de que o "poder de polícia" do TSE justificaria as ações do ministro.
"Não estamos diante do poder de polícia do relator, porque o presidente do TSE não tem, ele próprio, o poder de polícia para propaganda eleitoral; quem possui poder de polícia são os juízes da propaganda, nos casos que foram para eles distribuídos. As decisões, com base naqueles laudos produzidos por encomenda, para suspender perfis, bloquear contas bancárias, cancelar passaportes, foram tomadas no âmbito do STF, nada tendo a ver com o poder de polícia. Essas medidas foram tomadas pelo relator dos inquéritos que tramitam no STF", explica.
Ele destaca a gravidade de que o então presidente do TSE tenha usado informalmente a estrutura do tribunal para levantar dados e produzir relatórios que serviram, depois, para ele tomar decisões como relator de inquérito no STF.
"O fato de o presidente do TSE e o relator dos inquéritos no STF serem a mesma pessoa apenas agrava a situação: mostra uma relação indevida entre órgãos autônomos do Poder Judiciário, atuando na informalidade, direcionados por um julgador, para perseguir ou investigar determinadas pessoas por ele indicadas, e propiciar decisões persecutórias, posteriormente. O juiz inicia a investigação por vontade própria, seus assessores do TSE fazem os laudos, e o mesmo juiz, no STF, prolata decisões, que ele já desejava tomar antes de iniciado o ciclo", observa.
Homero Marchese também destaca a ilegalidade dos procedimentos de Moraes, mas acredita que, politicamente, a medida "mais efetiva e mais rápida", em vez da tentativa de anulação dos inquéritos, seria a abertura de um processo de impeachment contra Moraes.
"Isso seria muito importante para o país. Já passou da hora de se fazer isso. E a gravidade dos fatos revelados nesta semana poderia fazer uma parte do Senado mudar de ideia e pressionar o Rodrigo Pacheco", diz.
Marchese lembra ainda a máxima de que, com o tempo, "o chicote muda de mão". "Essas pessoas não vão mandar no país a vida toda. Vai chegar uma hora em que a sociedade brasileira vai querer passar a limpo o seu passado. Aqueles que hoje estão em uma posição de carrascos podem ficar em uma posição de acusados. A história tem vários exemplos disso. Às vezes, o poder muda de mão muito mais rápido do que a gente imagina."
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