Debate
Instituições devem ser laicas para terem credenciamento
A coordenadora do Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba, Cristiane Venetikides lembra que, para fazerem parte da rede do SUS, as comunidades terapêuticas devem atender a várias regras, que envolvem tanto questões de vigilância sanitária quanto de direitos humanos e laicidade. "Para poder ser credenciada nessas vagas e receber recurso público, a comunidade precisa trabalhar em uma proposta laica e não pode induzir as pessoas a praticarem uma doutrina religiosa que ela não aceite", explica.
A medida foi tomada depois de um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado em fevereiro deste ano, criticar o fato de algumas comunidades não possuírem um plano terapêutico e, em alguns casos, darem ênfase ao atendimento dentro de questões ideológicas ou religiosas em detrimento aos aspectos técnicos. Marcos Aurélio Pinheiro, vice-presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas, reconhece que muitas comunidades atuam fortemente nessa área, mas explica que praticamente todos os tratamentos têm uma abordagem biopsicossocial e espiritual, já que muitas dessas casas são originadas de instituições cristãs.
Tratamento de dependentes ganhará reforço
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) estuda a implantação de quatro Centros de Atenção a Usuários de Álcool e Droga, que contariam com um centro de atenção psicossocial e dois centros de atendimento, um adulto e outro infantil. As unidades devem ser implantadas em quatro cidades que atendem a macrorregiões da secretaria. As sedes estão previstas para Curitiba, Cascavel, Londrina e Maringá.
De acordo com Larissa Yamaguchi, coordenadora da área de saúde mental da Sesa, os centros de Cascavel e Curitiba estão mais adiantados porque os locais em que serão instalados já estão identificados. A implantação dessas unidades pode ocorrer até o início do ano que vem. A conclusão do projeto é para 2014. Além disso, a Sesa busca recursos com o governo federal para viabilizar a implantação de um Caps para cada uma das 22 regionais de saúde do estado.
Consórcio
A secretaria também busca dar apoio a iniciativas de municípios. É o caso do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Centro Oeste do Paraná (CIS-Centro Oeste), que apresentou a proposta para a criação de um centro de tratamento aos moldes do que será implantado pelo governo estadual. A unidade que deve contar com dois Caps 24 horas voltados para o atendimento de adultos e jovens com vício em álcool e drogas e duas unidades de acolhimento ficaria em Guarapuava e atenderia a outros 13 municípios da região.
Segundo a Sesa, o projeto está em fase de finalização e será encaminhado para habilitação no Ministério da Saúde. Se aprovado, o centro passa a funcionar em um espaço mantido pelo consórcio.
Até 2014, o Paraná deverá ganhar mais 500 vagas de atendimento em comunidades terapêuticas serviços de atenção prestados a pessoas com problemas causados pelo uso ou abuso de substâncias psicoativas. Atualmente, Curitiba e Região Metropolitana possuem 1.540 leitos para tratamento, enquanto no restante do estado a estimativa é de que haja cerca de 400 vagas.
As comunidades, muito procuradas por usuários em reabilitação por oferecerem cuidados gratuitos ou a baixo custo, ganham papel central na discussão sobre tratamento a dependentes: muitas unidades têm os métodos questionados e são criticadas pelo viés religioso e ideológico, que em muitos casos supera a parte técnica. Além disso, em todo o país, elas receberão investimento de R$ 90 milhões do governo federal, por meio do programa "Crack, É possível Vencer", para ampliar o atendimento. Cada comunidade aprovada pode receber entre R$ 45 mil e R$ 108 mil, dependendo da capacidade de atendimento e atividades desenvolvidas.
O prazo de chamamento público para as instituições interessadas em participar do programa termina em outubro e a contratação, que será feita diretamente pelo Ministério da Saúde, ainda não tem data para ocorrer. Em Curitiba, além das vagas preconizadas pelo governo federal, a prefeitura prepara um chamamento público para identificar comunidades terapêuticas interessadas em apoiar a rede de tratamento ao usuário de álcool e drogas. O orçamento municipal para a ação é de R$ 1,7 milhão, que podem ser usados para a contratação de, no máximo, 270 vagas.
Incentivo
Para Marcos Aurélio Pinheiro, presidente da Compacta Comunidades Terapêuticas Associadas do Paraná e vice-presidente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas, esse reconhecimento do trabalho das comunidades terapêuticas é importante e deve surtir um efeito positivo em médio prazo. "O governo identificou um modelo que existe há 40 anos e vem lutando contra suas precariedades, mas que tem êxito no atendimento à população", afirma.
Apesar de o anúncio do governo mencionar a criação de novas vagas, Pinheiro ainda é reticente em relação ao assunto. Ele ressalta que boa parte dos leitos existentes nas comunidades terapêuticas são vagas sociais destinadas àqueles que não têm condições de pagar tratamentos e que o custo operacional desse sistema é alto.
A coordenadora do Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba, Cristiane Venetikides, vê como positiva essa estrutura que apoiará a rede municipal de combate ao uso de drogas. Em Curitiba, os usuários de drogas que precisarem usar a estrutura das comunidades terapêuticas terão o acompanhamento de saúde e psicossocial feitos por profissionais da área de saúde do município. O objetivo é montar uma rede estatal de unidades de acolhimento, que operem de maneira semelhante às comunidades terapêuticas.
"Eu sei o que o usuário enfrenta"
Depois de superar a dependência química, João Honório Bueno agora dá suporte a 15 usuários de drogas.
Durante 25 anos, João Honório Bueno foi dependente de múltiplas drogas. O primeiro contato foi com o álcool, quando tinha apenas 9 anos de idade. Na primeira internação, em 1984, ele ficou quase dois anos tratando a dependência de álcool e maconha. Bueno ainda foi internado outras duas vezes para se recuperar do vício em cocaína e crack e saiu do último tratamento em 2000. Em todas as internações, Bueno ficou em comunidades terapêuticas.
Sem usar drogas há 10 anos, ele conta que só ficou limpo depois dos períodos de internação. Hoje, aos 46 anos, ele é o fundador e administrador da Casa de Apoio Belém, uma comunidade terapêutica que funciona há seis anos no Pilarzinho, em Curitiba. "Eu sei a dor do usuário e o que ele enfrenta para se recuperar", comenta. Apesar de já ter estado do outro lado, Bueno investiu em capacitação e montou um espaço que conta com uma equipe multiprofissional para auxiliar no tratamento de dependentes, com cinco funcionários fixos, além de contar com o trabalho de voluntários. "Ter essa experiência não significa saber tudo [sobre o tratamento]. É preciso tratar o usuário com dignidade, proporcionar um ambiente bom e organizado. Sei que a luta é grande", afirma.
Da época em que ficou internado como dependente, ele diz que a evolução no tratamento é notável. "O tratamento mudou porque o tipo de vício mudou", argumenta. Entre os 15 dependentes que estão em tratamento, dez buscam a cura para o vício em crack, três lutam contra o alcoolismo e dois eram usuários de cocaína. Na casa, eles passam por um tratamento de seis meses, dividido em módulos. Além da recuperação do vício, o serviço prestado na comunidade também proporciona a capacitação profissional e a reinserção social.
Casa de apoio
Na Casa de Apoio Belém, estão disponíveis 15 leitos para tratamento de dependentes cinco deles só foram disponibilizados porque a comunidade terapêutica foi contemplada em um edital da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça, que paga R$ 800 por leito a cada mês. O convênio vale até 2013 e não se sabe se haverá a possibilidade de renovação. Embora o valor ajude a manter os leitos extras, Bueno diz que o ideal seria um pagamento mensal de R$ 2,3 mil por leito, valor que supriria todas as necessidades dos internos e aportaria mais as despesas de manutenção da estrutura, que custa cerca de R$ 18 mil, captados com a contribuição de familiares dos internos e doações da comunidade e empresas.
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