De acordo com o IBGE, existem no Brasil 61 milhões de crianças e adolescentes. Destes, 45% pertencem a famílias que ganham cerca de dois salários mínimos. O dado indica que a situação de risco permanece uma realidade de Norte a Sul do país, o que é confirmado por técnicos e educadores. Eles trabalham com um número de consenso: são cerca de 30 mil adolescentes em conflito com a lei no país – 15 mil em regime de internação. O quadro pede – nos dizeres do quase mantra do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – "prioridade absoluta".

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Em entrevista à Gazeta do Povo, Amarildo Baesso, 42 anos, sub-secretário de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – órgão da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, ligado à Presidência da República, comentou o atual estado da infância no país. Falou de perdas e ganhos. E em uníssono com outros agentes do meio, lamenta a falta de visibilidade de muitas ações, o que traz um clima de derrotismo ao setor. "Ainda sobrevive o mito de que o ECA promoveu a impunidade", lamenta, de posse de uma pesquisa reveladora.

Um estudo do governo, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), concluída ano passado, prova que cerca de 60% dos adolescentes sujeitos à internação cometeram faltas contra o patrimônio e não crimes bárbaros, como costuma apregoar o senso comum. O preconceito, acrescenta o técnico, se acentua por responsabilidade da estrutura dos educandários, abrigos e afins. "São lugares que não se prestam à recuperação de ninguém. Muitos deles não oferecem oficinas e muito menos aulas. Logo, não preparam ninguém para o convívio social. Mais parecem miniprisões, ainda ligadas à mentalidade do antigo Código de Menores."

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Os desafios na implantação contínua do Estatuto, por essas e outras, não são poucos. Baesso destaca, entre as ações que pedem urgência, o abuso sexual comercial de crianças e adolescentes e mesmo o tráfico de adolescentes – um fato pouco noticiado. E principalmente projetos que invistam nas famílias dos jovens em situação de risco ou em conflito com a lei. Em estudo recente junto ao Ipea, descobriu-se que 70% dos abrigados por problemas de disparidade social tinham família. "Faltam programas para aproximar os abrigados dos pais. Essa é, inclusive, uma das atribuições do Estatuto", reivindica.

Em busca de um lado menos sombrio na festa de 15 anos do ECA, Baesso destaca que a lei trouxe uma mudança de paradigma. Desde a implantação da lei, os esforços vão no sentido de afirmar a criança e o adolescente como cidadãos, com direitos a serem respeitados. Contribuíram para essa nova cultura o surgimento de especialistas no assunto nos Ministérios Públicos, as delegacias do adolescente e defensorias, mas principalmente os conselhos de direito, criados em cada estado, e os conselhos tutelares, próprios dos municípios. A estimativa apresentada por Baesso é de que 70% das 5.507 cidades brasileiras já tenham seus conselhos tutelares, ainda que o funcionamento desses órgãos seja capenga em muitos lugares.

Escolas

O balanço positivo traz ainda o levantamento recente do Ipea, mostrando que 97% de crianças de 7 a 14 anos estão na escolas. O índice não é creditado à ação do ECA. Mas bem que poderia. Some-se a isso a redução da mortalidade infantil – cerca de 25 a cada mil crianças nascidas – e os investimentos de vulto do governo em programas de resgate, educativos e outros. O valor anual de investimentos na área chega a R$ 13 bilhões por ano, de acordo com cálculos do Plano Previdente Amigo da Criança, projeto que calcula valor investido em projetos de secretarias como da Saúde, Educação, Esporte, Assistência Social e outras.

O procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior, 52 anos, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente do Paraná, destaca a ação do conselhos tutelares como fontes de diagnóstico e pressão por programas. "O ECA gerou um tipo de movimentação jamais visto".

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Sotto Maior também festeja decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que cada vez mais reconhecem as políticas veiculadas pelo Estatuto. "Tais ações fazem com que os projetos encontrem continuidade garantida e se tornem prioridade. Com o tempo, ninguém vai aceitar que se bloqueie recursos para construir creches". O ponto frágil, para o procurador, fica para o repasse de recursos. Não se sabe ao certo quanto os estados e os municípios destinam à infância e à adolescência. E ninguém quer esperar mais 15 anos para fazer as contas.