Pela paz
Padre diz que chacina foi um "despertar" para semear esperança
O padre Renato Chiera, que fez a celebração das cruzes na Igreja da Candelária, ontem, comparou a chacina a um despertar. "[No dia da chacina], quando eu cheguei aqui, tinha ainda o sangue, e eu falei com as pessoas que estavam ao redor eram meninos amendrontados, um deles, que era da Casa do Menor, tinha fugido. Ele estava em cima de uma banca e contou que tinha visto a tragédia. Disse que ficou quietinho, com medo de que atirassem nele. Essa matança foi, para mim e para muitos, um despertar. Não adianta gritar contra as trevas, temos que acender luzes. Então, a gente tenta semear esperança, semear vida."
Os locais com registro de violência contra crianças que vão receber as 21 cruzes ficam em diversas comunidades cariocas, como a da Providência, do Borel, de Acari, do Pau da Bandeira, de Guaratiba, da Rocinha, entre outras.
A principal testemunha do crime foi Wagner dos Santos, que sobreviveu à chacina, fingindo-se de morto. Um ano após a chacina, em dezembro de 1994, Wagner sofreu outro atentado, no qual levou quatro tiros, mas sobreviveu. Wagner atualmente mora na Suíça e não participou do ato de ontem.
O Movimento Candelária Nunca Mais lembrou ontem os 21 anos da Chacina da Candelária, em que oito crianças e adolescentes que dormiam na praça da igreja, no Centro do Rio, foram mortos a tiros por cinco homens que desceram de dois carros. No local, houve uma celebração, com 21 cruzes, que foram bentas e serão colocadas em outros pontos da cidade e da região metropolitana onde ocorreram atos de violência contra crianças e jovens. Após a cerimônia, os representantes de movimentos e organizações não governamentais caminharam até a Cinelândia, onde realizaram um ato cultural. As informações são da Agência Brasil.
As manifestações para lembrar a chacina começaram na noite de terça-feira, quando mães que perderam filhos em situações de violência fizeram uma vigília em frente da igreja. Ontem, na Cinelândia, foi realizado o ato Criança não é de rua, que deve ser repetido em todo o país. Os participantes forraram o chão com papelão, deitaram-se e, por um minuto, simularam dormir, em um ato de solidariedade aos moradores de rua. No ato, também foi lembrado o menino Matheus de Souza, de 14 anos, morto no dia 11 do mês passado, na subida do morro do Sumaré.
Para Fátima Silva, do Movimento Candelária Nunca Mais, a situação não mudou muito desde a chacina. "De 21 anos para cá, não mudou quase nada. O orçamento público destinado à criança está diminuindo cada vez mais. Não tem políticas públicas nas comunidades. Que políticas públicas são promovidas para essas crianças? Como a gente implementa o Estatuto [da Criança e] do Adolescente?", questiona. Ela ressalta ainda a falta de uma proposta pedagógica para essas crianças e afirma que não está sendo cumprida a Constituição Federal, que estabelece prioridade absoluta e diz que é dever do Estado, da família e da sociedade cuidar das crianças e dos adolescentes. "O que se vê, porém, é o abandono da situação, a falta de políticas públicas e de implementação do estatuto, além de projetos esfacelados, que não têm continuidade."
Primeira a chegar
A educadora Yvonne Bezerra de Mello, que criou o projeto Uerê na Comunidade da Maré, destinado a crianças marcadas pela violência, conta como foi a Chacina da Candelária e diz que nada mudou até hoje. "Eu estava aqui na Candelária no dia da chacina. Era um grupo [de crianças] com o qual eu já trabalhava há dois anos na rua. Fui chamada quando faltavam 15 minutos para a meia-noite por um dos meninos, que me contou que policiais passaram e assassinaram alguns deles. Fui a primeira a chegar. De lá para cá, não mudou nada."
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