As vilas União e Icaraí, no bairro Uberaba: chacina matou oito no ano passado.| Foto: Ivonaldo Alexandre / Agência de Notiícias Gazeta do Povo

Ninguém levou a sério quando o carro de som, a todo volume, anunciava o toque de recolher. Eram oito e meia da noite de sábado, um típico fim de semana no limite entre as vilas União e Icaraí, no Uberaba, bairro da zona Leste de Curitiba. Passadas duas horas, o silêncio seria quebrado num arrastão de três carros, com os quais seis homens fortemente armados passavam atirando a esmo, matando quem estivesse pela frente. O saldo: oito mortos e dois feridos. Entre as vítimas, uma criança de 5 meses que estava no colo da mãe. Elas voltavam da igreja.

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Os tiros começaram na Rua Helena Piekarski, na vila União, por volta das 22h30, exatamente duas horas depois de os moradores terem ouvido o carro de som passar avisando sobre o toque de recolher. "Quem estivesse na rua após esse horário correria risco de morte. Este era o aviso", lembra uma moradora do bairro, que não quer se identificar. Os atiradores estavam armados com uma carabina calibre 30, uma pistola 9 milímetros e outra de calibre 40, essa última de uso exclusivo das Forças Armadas.

O motivo do crime foi o assassinato do sobrinho de um dos traficantes que participou da chacina, segundo o titular da Delegacia de Homicídios, Hamilton da Paz. O rapaz teria sido preso e assassinado por traficantes rivais logo após ser solto, na semana passada."Foi um ato de vingança", assegura o delegado. A população confirma que a chacina foi motivada por grupos rivais de traficantes das vilas Icaraí e União. Com medo, poucos querem se identificar ou falar sobre os acontecimentos. Um rapaz de 20 anos conta que estava na rua no momento do tiroteio e que escapou da morte por pouco.

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"Minha mãe me avisou do toque de recolher antes de eu sair. Não acreditei. Ia para uma festa de 15 anos de uma amiga minha. Nem sei como estou vivo. Corri demais. Vi meu amigo morrer", lembra. Outro mora na vila União há 10 anos e conta que nunca viu nada parecido entre os muitos crimes que viraram manchetes de jornais, muitos dos quais ele próprio presenciou. "O que mais fico indignado é que só morreram trabalhadores, gente de bem. Os bandidos que se acertem entre eles. Mas para que matar inocentes?", questiona. Colegas de José que retornavam de uma pescaria foram retirados de dentro do carro e mortos.

Caso atípico

De acordo com o delegado-geral da Polícia Civil do Paraná, Jorge Azôr Pinto, o caso foi atípico e envolve disputa pelo controle do tráfico de drogas. "Não me recordo de nada semelhante que tenha acontecido em pontos diferentes. Os policiais estão investigando. Temos oito viaturas no local e elas não vão sair de lá até que o caso seja resolvido", diz. A investigação começou assim que a polícia foi informada da chacina.

Além das oito viaturas, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná (SESP) montou uma força-tarefa para solucionar o caso. Viaturas da Divisão de Narcóticos, da Polícia Civil, da Polícia Militar e o Regimento da Polícia Montada tomaram conta das ruas das duas vilas, no fim da tarde de ontem. Até o fechamento desta edição nenhum suspeito havia sido preso. "Agora que os bandidos foram embora não adianta mandar a polícia. Só estão assustando nossas crianças", protestou uma moradora da região.

A polícia não divulgou a identidade das duas pessoas feridas, mas afirmou que elas passam bem e serão ouvidas assim que deixarem o hospital. Segundo Paz, a região do Uberaba conta com o patrulhamento de quatro viaturas nos horários de pico, para atender uma população de 70 mil habitantes. "Temos viaturas da Rotan e Rone na região, mas precisamos contar com o apoio da população para denunciar os traficantes por meio do Narcodenúncia. Não temos como prever casos como esses. Não tem como saber o que se passa na cabeça de um marginal", diz.

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Segundo levantamento da polícia civil, de março a outubro o Narcodenúncia recebeu apenas uma ligação daquela região. "No restante da cidade, o número de ligações da população chegou a 30 mil", diz Azôr. Do horário da chacina até a tarde de domingo a polícia não recebeu nenhuma ligação da região das vilas União e Icaraí. Os moradores estão com medo de se manifestar. A última ação policial feita no Uberaba foi apreensão de armas e entorpecentes, também em março.

Moradores da região entrevistados pela reportagem dizem não acreditar na eficácia da polícia. Contam que ficam sabendo dos bastidores do tráfico, mas preferem não "se meter" nesses casos. "Nunca vimos a polícia fazer nada, a não ser ficar cuidando de corpos", reclama um morador.

As vilas

A duas vilas integram uma região composta por sete comunidades do bolsão Audi-União. O bolsão recebe recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal para melhoria de infraestrutura. É uma população carente, de baixa renda, em que a maioria das famílias não ganha mais do que R$ 400 por mês. O bolsão Audi-União tem 2.554 domicílios.

A Vila Icaraí tem oficialmente 687domicílios mapeados e está ligada à área administrativa da Regional Cajuru. Já a Vila União tem cerca de 680 domicílios atendidos pela associação de moradores local.

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Em parceria com o Jardim Alvorada, conta com uma unidade de saúde, cinco instituições de assistência social, quatro escolas municipais , duas estaduais e dois Centros de Educação Infantil (CMEI). A maior parte da população é formada por jovens e mu­­lheres. Quatro em cada 10 moradores possuem apenas o ensino fundamental.

Veja onde fica a Vila Icaraí

Balanço: Matanças têm enredos idênticos

Há uma constância perversa nas chacinas registradas no Paraná nos últimos meses. Elas ocorrem em localidades pobres, em que as instituições do poder público (polícia, saúde, educação, esporte) estão distantes ou inoperantes. Possuem ligações com o tráfico de drogas, seja por disputa entre grupos rivais, vingança ou dívidas, e vitimam, propositadamente, esposas, filhos, crianças e jovens que não estavam inseridos na lógica do tráfico. Fazer o maior número de vítimas possíveis tornou-se uma espécie de demonstração de poder e de força.

Em Guaíra, na maior chacina registrada no estado, em setembro do ano passado, 15 pessoas foram assassinadas por causa de um acerto de contas entre grupos que lidavam com tráfico e contrabando. Em cinco horas de matança, morreram adultos e jovens, homens e mulheres – entre eles, alguns que nada tinham a ver com a disputa em si.

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Em dezembro do ano passado, em Campina Grande do Sul, região metropolitana de Curitiba, cinco pessoas foram mortas e outras cinco sobreviveram. De acordo com a polícia e com o testemunho de um jovem que sobreviveu à chacina, alguns dias antes duas das vítimas haviam praticado um furto e trocado o produto do roubo por drogas.

Em abril desse ano, no Xaxim, cinco homens e uma mulher morreram por uma dívida de dez gramas de crack. Segundo a investigação policial, eles estavam na casa de um usuário, mas nem todos eram alvos dos assassinos. "Se tivessem 20, eles matavam 20", disse na época o titular da Delegacia de Homicídios, Hamilton da Paz.

Existem exemplos, porém, que mostram que os bairros mais pobres não estão fadados a sofrerem com o binômio tráfico/chacina. Na Vila Osternack, que já foi considerada a região mais violenta da cidade, houve uma redução significativa no número de homicídios. A vila chegava a ter 14 homicídios por final da semana. Atualmente tem um por mês e há dois não são registrados assassinatos na região. A melhora veio depois que a Polícia Militar iniciou na localidade o projeto de Segurança Social, em parceria com a própria comunidade, a sociedade civil e outras esferas governamentais.

Confira as chacinas ocorridas no Paraná nos últimos dois anos