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A deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ) foi condenada pela 24ª Vara Federal do Rio de Janeiro, após ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) no ano passado, por postagem apontada como discriminatória em relação à comunidade LGBT no Facebook. Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a decisão não levou em conta a imunidade parlamentar e também representa cerceamento à liberdade de expressão. A deputada informou que vai recorrer da decisão e apresentar provas de que falou a verdade.
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De acordo com a sentença publicada no dia 12 de julho, a parlamentar deverá excluir a publicação, considerada como discriminatória por relacionar a prática de crime e de pedofilia a alguns homossexuais. Além disso, a juíza federal Italia Poppe Bertozzi indicou que deputada deve fazer uma retratação em suas redes sociais, que deverá ser mantida no ar por, pelo menos, um ano, além de pagar R$ 50 mil para a estruturação de centros de cidadania LGBTs.
Chris Tonietto afirmou à reportagem que vai recorrer da decisão e que a sentença é uma perseguição aos conservadores. Segundo a deputada, em nenhum momento ela citou nomes, apenas fez menção a uma situação que já foi denunciada em outros países e que ela diz ter provas comprovando o caso.
"Essa perseguição que está acontecendo não é de hoje, mas piorou consideravelmente - sobretudo em relação àqueles que prezam pelos valores cristãos. A esse grupo, no qual me incluo, não é assegurado o livre exercício do direito à liberdade de expressão", disse a parlamentar.
Ação do MPF
Em fevereiro do ano passado, o MPF ingressou com uma ação contra a deputada federal pela seguinte postagem publicada em 12 de junho de 2020: “Defendida explicitamente por alguns expoentes do movimento LGBT, a pedofilia está sendo visivelmente introduzida no País como fator de dissolução da confiança nas relações familiares e corrupção moral de toda uma geração de crianças expostas a uma erotização abominável desde a mais tenra infância. Combateremos sem cessar a disseminação da pedofilia no Brasil e as ideologias nefastas que as sustentam”.
Em julho de 2020, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, que integra a estrutura do MPF, expediu uma recomendação para que a parlamentar apresentasse estudos científicos nos quais se baseou para realizar a publicação. Chris Tonietto não se manifestou e, por isso, foi solicitado que ela se retratasse por causa de suposta informação falsa na publicação original.
"A imunidade parlamentar tem sido sumariamente ignorada. Não há dúvidas que as opiniões manifestadas em minhas redes sociais têm a ver com o exercício do meu mandato, mas tanto o Ministério Público Federal quanto o juízo da 24ª Vara Federal do Rio de Janeiro, simplesmente, decidiram não considerar tão relevante garantia constitucional", afirmou a deputada.
Ao proferir a decisão, a juíza federal alegou que “há limites à liberdade de expressão”. De acordo com a magistrada, “não se pode, pois, elastecer a imunidade (parlamentar) a ponto de fazê-la escudar toda e qualquer manifestação emitida pelo cidadão, que, exercendo mandato eletivo, profira opiniões ofensivas a pessoas e/ou coletividades, sem nexo etiológico com o cargo desempenhado”.
Para os autores da ação civil pública, os procuradores da República Ana Padilha, Sérgio Suiama e Julio Araújo, a publicação induz falsamente a opinião pública a acreditar que todo o grupo de pessoas homossexuais seria propenso a cometer os graves crimes que giram em torno da pedofilia, gerando preconceito e reforçando estigmas.
Sobre isso, a deputada informou que irá apresentar provas sobre os casos de pedofilia mencionados na postagem. "Se ainda existir o mínimo de justiça, essas provas serão observadas e se terá provado que não proferi nenhuma ofensa a ninguém. Apenas falei de fatos de forma absolutamente não generalista", disse.
Imunidade parlamentar e o ativismo judicial
O caso de Chris Tonietto lembra o de Daniel Silveira, também deputado federal, no tocante à responsabilização perante a Justiça por emitir opiniões. Silveira foi preso - e posteriormente condenado - após divulgar um vídeo com críticas contra os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele também é investigado no inquérito que mira o financiamento e organização de atos considerados pela Corte como antidemocráticos.
O artigo 53 da Constituição Federal prevê que deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. A imunidade parlamentar, de acordo com juristas ouvidos pela reportagem, foi idealizada pela Assembleia Constituinte para que os representantes eleitos pelo povo pudessem participar do debate público com toda a liberdade (ao contrário do cenário vivido no regime militar), inclusive podendo se manifestar de formas que estariam vedadas aos demais cidadãos.
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Juristas Conservadores (Abrajuc), João Daniel Silva, há uma escalada autoritária no Brasil querendo retirar essa prerrogativa constitucional prevista para garantir o Estado Democrático de Direito.
"Vivemos em um regime democrático e as instituições jurídicas estão aparelhadas e sendo utilizadas como instrumento político para promoção de ideologias. A gente vê que a todo instante o MPF está invadindo competências num franco ativismo judicial, que é o caso da deputada Chris Tonietto - a deputada está investida na imunidade parlamentar. Mas há uma agenda ideológica", disse o presidente da Abrajuc.
Para o advogado Geraldino Santos Nunes Júnior, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Distrito Federal (OAB-DF), a condenação da deputada é um nítido exemplo de “ativismo judicial com viés ideológico”. Segundo ele, trata-se de uma perseguição aos conservadores.
"Não vejo as mesmas atitudes do MPF contra representantes da esquerda brasileira que publicam absurdos, incitando a violência e nada é feito. Então, acho que temos que nos preocupar com isso e os próprios parlamentares deveriam tomar uma atitude. Com relação a deputada, não vi nenhuma agressão, ela defende as pautas pelas quais ela foi eleita e, ao meu ver, a decisão foi exagerada”, afirmou o jurista.
Nunes Júnior ainda reforçou que a ação civil pública não deveria nem ser cabível para o caso da deputada. "Ela vai ter que recorrer e invocar a prerrogativa de parlamentar de que não houve ofensa alguma, apenas defendeu os interesses do eleitorado dela baseado em valores morais”, explicou.
Censura
Em muitos casos, o que tem ocorrido no Brasil é que, quando a publicação vai contra o "politicamente correto", existe grande risco de ser retirado do ar ou até de responder judicialmente. Especialistas explicam que, mesmo não sendo absoluta a liberdade de expressão, a censura só deve ocorrer quando de fato houver delito.
"Existem casos de censura justificável, mas somente quando é considerado perigo claro e eminente ou incita diretamente a violência. No Brasil, a jurisprudência da liberdade de expressão é caótica e inconsistente, se usa princípios diferentes e fica ao arbítrio dos juízes", avaliou o comunicador social Pedro Franco, especialista em liberdade de expressão e polarização política.
Em relação ao caso da deputada, Franco destacou que o conteúdo postado por ela não faz menção ao ativismo LGBT como um todo, apenas a "membros que queimam o filme do movimento".
Silva também vê a ação do MPF como uma prévia censura à deputada que, segundo o representante da Abrajuc, apenas usou as suas redes sociais para alertar sobre um caso já noticiado mundialmente. "Ela jamais ofendeu o público LGBT, apenas fez uma menção de que alguns ativistas teriam essa correlação com a agenda da pedofilia", afirmou.
E ele complementa: "Nos EUA, há um histórico de ONGs que, ao mesmo tempo que impulsionam a agenda LGBT, impulsionam também questões ligadas a pedofilia como a permissão de relacionamento entre adultos e adolescentes", argumentou Silva.