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Uma cidade do estado da Virgínia se tornou o maior símbolo de uma queda de braço envolvendo uma corrente ideológica radical que tem ganhado força nos Estados Unidos: a Teoria Crítica Racial. O condado de Loudoun tem cerca de 450 mil habitantes e figura entre as cidades com a renda mais alta do país. Por estar perto da capital, Washington, ele tem muitos moradores que trabalham no governo federal. E é lá que um grupo de pais tem atuado para reverter a imposição de ideias radicais sobre raça no currículo escolar.
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As sessões do Conselho de Educação de Loundoun costumam ser agitadas. Com o auditório cheio e discursos inflamados de pais e ativistas, os encontros também se tornaram populares na internet, onde as sessões são transmitidas ao vivo. Em uma das reuniões recentes, Xi Van Fleet, que cresceu sob o regime de Mao Tse-Tung, alertou: "O regime comunista usou as mesmas teorias críticas para dividir as pessoas - a única diferença é que eles usaram classe, não raça". Em outra, Shawntel Cooper, uma mulher negra mãe de duas crianças, afirmou: "A Teoria Crítica Racial é racista, é um abuso, e discrimina as pessoas pela cor".
Apesar das queixas, o Conselho Escolar de Loundoun continua apoiando a adoção da Teoria Crítica Racial. Por isso, um grupo de pais formou uma organização própria: o Fight for Schools (Luta pelas Escolas, em português), que está recolhendo assinaturas para realizar um recall (substituição) de seis dos nove atuais conselheiros A campanha teve início em abril, e até agora recolheu aproximadamente 5 mil assinaturas. Para que a substituição ocorra, são necessárias 17.300.
O Fight for Schools foi fundado por Ian Prior, que trabalhou no Departamento de Justiça na gestão de Donald Trump. Nos Estados Unidos, os conselhos escolares de cada cidade, que geralmente têm uma participação ativa de pais, possuem um grau considerável de autonomia.
A Teoria Crítica Racial é uma corrente ideológica que surgiu nos anos 1970, se consolidou nos anos 1980 e ganhou força na última década. Os defensores dessa teoria acreditam que os Estados Unidos são inerentemente racistas, e que a opressão racial dos brancos sobre os negros ocorre em todas as instituições americanas.
A mensagem é oposta à dos ativistas pela igualdade racial dos anos 1950 e 1960, que defendiam uma sociedade onde a raça não fosse um fator determinante. “Nossas escolas estão ensinando as crianças a julgarem as pessoas não pelo conteúdo do caráter delas, mas pela cor da pele delas”, diz o manifesto na página da organização. A frase é uma referência ao discurso mais famoso de Martin Luther King, e resume o que mudou desde que o ativista pelo direito dos negros fez o seu pronunciamento no Memorial Lincoln, em Washington, diante de centenas de milhares de pessoas.
E os pais conservadores de Loundoun têm do que reclamar. O superintendente do Distrito Escolar da cidade publicou, neste mês, um relatório em que se orgulha, dentre outras coisas, de ter modificado o mascote do colégio de ensino médio mais antigo do condado. O antigo fazia alusão aos Mosby Raiders, uma unidade militar da Virgínia durante a Guerra Civil americana. O documento também exalta o plano de ação para combater o “racismo sistêmico”.
O que é a Teoria Crítica Racial
Embora não haja um consenso preciso sobre o que seria a Teoria Crítica Racial, o ponto fundamental desta corrente é a premissa de que todas as relações humanas nos Estados Unidos são pautadas pelas diferenças raciais, e que algumas raças são privilegiadas e outras são prejudicadas. Em certos aspectos, essa teoria ecoa a divisão marxista entre opressores e oprimidos.
Por isso, de acordo com essa visão a mera igualdade não basta: a lei não pode ser neutra. Ela precisa promover a equidade - e ativamente desfazer as injustiças geradas pelo racismo sistêmico.
A Teoria Crítica Racial não é recente, embora tenha ganhado força apenas nos últimos anos. Essa corrente tem suas raízes nos anos 1970, mas ganhou forma em 1989, com a primeira reunião formal de intelectuais americanos para discutir o tema.
Essas ideias se popularizaram mais recentemente com a ascensão do movimento Black Lives Matter, que, por sua vez, ganhou os holofotes na década passada após incidentes envolvendo policiais brancos e pessoas negras. Para o Black Lives Matter, esses casos são uma demonstração de que o racismo é onipresente nas instituições americanas.
Um levantamento da Education Week, feito nos Estados Unidos em junho de 2020, concluiu que 81% dos professores, diretores e autoridades locais de educação apoiam o Black Lives Matter.
Debate nacional
O avanço da Teoria Crítica Racial tem provocado reações diferentes nos Estados Unidos. Em diversos estados americanos, pais têm ido à Justiça. No Tennesse, o governo estadual sancionou uma lei que proíbe a inclusão desse tipo de conteúdo nas escolas públicas. O governo da Flórida adotou uma medida semelhante.
Na Califórnia, a assembleia estadual aprovou no ano passado uma lei que tornaria obrigatória uma disciplina sobre estudos étnicos. O governador do estado, Gavin Newson - um democrata - vetou a medida por considerá-la muito extrema. Mas o novo currículo, elaborado neste ano, inclui a perspectiva da Teoria Crítica Racial. Em Seattle, isso já é uma realidade há quatro anos.
O avanço da teoria tem impulsionado também mudança de nomes de escolas, retirada de estátuas e modificações no currículo escolar para torná-lo “descolonizado”. Em muitas escolas disciplinas passaram a adotar uma posição menos “colonialista”, o que significa que o mérito científico por vezes cede à pressão por diversidade racial.
Sob o governo Trump, o Departamento de Educação era contrário ao ensino da tese de que os Estados Unidos são um país inerentemente racista. Agora, sob a administração de Joe Biden, o governo federal pretende patrocinar a implementação de programas que promovem a Teoria Crítica Racial.