Pesquisadores brasileiros encontraram um coração de pedra no fóssil de um peixe que viveu há 115 milhões de anos no que hoje é o Nordeste do Brasil, o que revela um estágio até então desconhecido da evolução do órgão. Esse é um achado pioneiro na ciência mundial, indica o estudo publicado em abril no periódico britânico eLife e repercutido pelo departamento de ciência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O peixe Rhacolepis buccalis tinha 15 centímetros de comprimento e um coração de cinco valvas (tipo de válvula que controla a saída do sangue para o resto do corpo). Os peixes modernos têm apenas uma, segundo o trabalho.
“Nem sempre os organismos ficam mais complexos à medida que evoluem. Em alguns casos, eles se tornam mais simples”, afirmou o médico José Xavier Neto, pesquisador do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), em Campinas, e coordenador do grupo que investigou o coração, à Fapesp. “Não sabemos o contexto em que ocorreu essa simplificação, mas ela costuma acontecer depois do que chamamos de surto de complexidade”. Por meio de tomografias de altíssima resolução, os pesquisadores fizeram imagens em 3D de todo o corpo do animal e de seus órgãos internos.
Durante um período de férias no sul do Ceará, José Xavier Neto se encontrou com os geólogos Francisco Idalécio Freitas, coordenador executivo do Geopark Araripe, e José Artur de Andrade, do Departamento Nacional de Produção Mineral, que o aconselharam a centrar suas análises nesse peixe específico. O Rhacolepis buccalis é comum das águas da bacia do Araripe, área dos estados de Ceará, Pernambuco e Piauí conhecida pelos fósseis muito bem preservados. Os corpos petrificados do Rhacolepis buccalis têm a vantagem de normalmente serem encontrados em formato tridimensional, o que aumenta a probabilidade de manter os órgãos internos preservados.
Segundo a Fapesp, Xavier passou a visitar a região pelo menos uma vez por ano e reuniu 67 exemplares do peixe. Os fósseis foram enviados para o European Synchrotron Radiation Facility, em Grenoble, na França, que dispõe de um equipamento capaz de gerar feixes de radiação mais energéticos, ainda não existente no Brasil. “Nas primeiras tomografias não dava para ver as cavidades do coração, mas a resolução era tão boa que era possível visualizar, no trato intestinal dos peixes, os camarões que eles haviam comido”, afirmou Xavier. Duas dessas amostras mostraram claramente não só o coração, mas também detalhes internos do órgão.
“Nossos resultados demonstram a viabilidade de estudar a evolução cardíaca em fósseis”, afirma um trecho da publicação no periódico britânico. Os próximos passos estão por vir.
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