Hospitais de custódia, também chamados de manicômios judiciários, são instituições que mantêm e tratam pessoas com algum tipo de transtorno mental e que cometeram crimes| Foto: Defensoria Pública da Bahia
Ouça este conteúdo

Em 2007, os pesquisadores Juliana Garbayo e Marcos José Relvas Argôlo realizaram um levantamento em um manicômio judiciário, no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, no Rio de Janeiro. Mapearam a população ali internada, composta por 177 pessoas que cometeram crimes, mas foram consideradas inimputáveis por apresentar algum transtorno mental. Identificaram que os diagnósticos mais comuns envolviam transtornos psicóticos, que respondiam por 67% dos casos – outros 7,3% registraram transtornos em razão do uso de substâncias psicoativas.

CARREGANDO :)

Nada menos do que 71% haviam recebido tratamento psiquiátrico antes de dar entrada no hospital de custódia. Ainda assim, estavam ali por ter cometido homicídio em 44% dos casos. Crimes contra o patrimônio respondiam por 26%. Crimes sexuais, por 11%, o mesmo percentual relacionado a casos que tinham alguma relação com uso ou comércio de entorpecentes. “O homicídio intrafamiliar predominou entre os psicóticos e os portadores de retardo mental”, apontaram. E concluíram: “O perfil da população foi compatível com o descrito para outras populações de internos em hospitais de custódia no país”.

Agora, entre agosto de 2023 e maio de 2024, os hospitais de custódia, também chamados de manicômios judiciários, vão começar a ser fechados, por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). São 30 unidades do gênero, segundo a Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Essas instituições foram criadas para manter e tratar pessoas com algum tipo de transtorno mental e que cometeram crimes.

Publicidade

Uma junta médica irá avaliar caso a caso. E vai decidir quem vai ganhar a liberdade, contando com tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS). Caso seja liberado para reintegração social, a família poderá acolher essa pessoa. Ou, então, deverá recorrer à Defensoria ou ao Ministério Público para pedir que pessoa seja novamente recolhida – mas agora em um leito psiquiátrico com outras que não cometeram crimes, já que esses casos deixariam o âmbito da segurança pública e passariam a ser considerados casos de saúde. A medida tem sido amplamente criticada.

Considerando o percentual dos que cometeram homicídios identificado no estudo de 2007, e levando em conta que hoje os centros de custódia mantêm 4.583 pessoas, segundo o CNMP, é de se esperar que, nos próximos meses, centenas de autores de crimes, considerados inimputáveis, vão voltar para as ruas. Alguns são bastante conhecidos do público. Confira abaixo as histórias de cinco pessoas que podem ser liberadas, mesmo tendo cometido crimes, com o fim dos manicômios judiciários:

Marcelo Costa de Andrade, 56 anos
Foi preso em 1991, depois que a polícia relacionou seu nome à morte de um menino de 6 anos que foi enforcado e depois sofreu violência sexual. O "Vampiro de Niterói" então confessou que havia matado 13 crianças, de 6 a 13 anos, ao longo de oito meses. Ele confessou que abusava sexualmente dos corpos e bebia sangue das vítimas. Considerado inimputável, foi levado para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo. Em diferentes ocasiões, foi reavaliado por psiquiatras que concluíram que ele não tem condições de viver em sociedade.

Francisco Costa Rocha, 81 anos
Conhecido por assassinar e esquartejar os corpos de duas mulheres, em 1966 e 1976, Chico Picadinho cumpriu o limite de pena prevista no Brasil em 21 de novembro de 1998, mas foi mantido preso ainda assim. Declarado mentalmente incapaz em 1994, desde então está detido na Casa de Custódia de Taubaté, no interior de São Paulo. É considerado um preso tranquilo, que passa os dias lendo e pintando. Mas, quando cometeu o segundo crime, em 1976, havia sido libertado por bom comportamento dois anos antes.

Edílson Meneses Cruz, 51 anos
Em 2019, tentou invadir a escola Pedacinho do Céu, na Asa Norte de Brasília. Cruz, que tem esquizofrenia, está detido em um hospital de custódia – num primeiro momento, ele ficou em liberdade, porque não havia vagas. Ex-policial civil, ele foi expulso da corporação em 2001, acusado de uso indevido da arma de fogo confiada ao serviço. Em 2015, voltou a ser detido quando tirou a roupa diante de duas meninas, uma de 15 e outra de 11 anos, em uma parada de ônibus. Ele também é acusado de estupro de vulnerável.

Publicidade

Adaylton Nascimento Neiva, 42 anos
Padeiro, morador de Novo Gama (GO), em 2000, ele matou sua companheira, grávida de um filho dele, além da filha dela, de cinco anos. Ficou preso até 2009, quando foi liberado para o regime semiaberto – desapareceu dois meses depois. Voltou a ser detido em 2010, em Picos (PI), depois de matar Alessandra Alves Rodrigues, de 14 anos. Desde então, está detido em um hospital de custódia de Brasília. As investigações apontam que, enquanto esteve solto ele matou mais oito pessoas e estuprou três mulheres.

Roberto Aparecido Alves Cardoso, 36 anos
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou uma solicitação da Defensoria Pública que pedia a libertação de Champinha. Em novembro de 2003, ele estuprou diversas vezes Liana Friedenbach, de 16 anos, que acabou morta por traumatismo craniano provocado por golpes de facão na cabeça desferidos por Cardoso. Os crimes foram cometidos por ele com mais dois comparsas. À época, tinha apenas 16 anos e foi mantido na Fundação Casa. Dali seguiu para a Unidade Experimental de Saúde (UES) em São Paulo (SP), onde permanece desde então.

O fim de três pessoas liberadas de manicômios judiciários

Conheça também a história de três doentes psiquiátricos violentos que, no passado, foram liberados de hospitais de custódia ou clínicas psiquiátricas:

João Acácio Pereira da Costa (1942-1998)
Nascido em Joinville (SC), cometeu uma sequência de crimes em Santos (SP) e em São Paulo até ser detido em Curitiba, em 1967. Era conhecido como o "Bandido da Luz Vermelha" porque costumava invadir mansões utilizando uma lanterna com um filtro avermelhado. Foi condenado por quatro assassinatos, sete tentativas de homicídio e 77 assaltos. Foi libertado depois de cumprir 30 anos de pena e retornou para a cidade natal, onde morreu apenas quatro meses depois, em 5 de janeiro de 1998, durante uma briga de bar.

"Pedrinho Matador" (1954-2023)
Assassinado a tiros no último dia 5 de março, aos 68 anos, na cidade de Mogi das Cruzes (SP), ele estava solto desde 2018, depois de ter acumulado 42 anos de cela, em duas ocasiões diferentes – ficou preso entre 1973 e 2007, foi solto e acabou detido novamente em 2011. Foi condenado por matar 71 pessoas, ainda que tenha declarado mais de 100 homicídios, que fariam dele o maior serial killer da história do país. Libertado, se declarou convertido e assumiu, nas redes sociais, a alcunha de “Pedrinho Ex Matador com Jesus”.

Publicidade

Carlos Eduardo Sundfeld (1986-2016)
Assassino confesso do cartunista Glauco e do filho dele, Raoni, em 2010, Cadu, como era mais conhecido, foi detido perto da fronteira do Brasil com o Paraguai. Foi transferido para Goiânia, onde ficou internado em uma clínica psiquiátrica. Apesar dos homicídios, e ainda que tenha sido diagnosticado com esquizofrenia, teve alta em 2013. Em agosto de 2014, foi novamente preso depois de cometer dois latrocínios. Estava detido no Núcleo de Custódia de Aparecida de Goiânia (GO) quando foi morto durante uma briga com outro detento.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]