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Alegando preconceito e parcialidade contra a classe médica, o Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) enviou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um Pedido de Providências para a revisão do uso da expressão “erro médico” em decisões judiciais. Segundo a CBC, a expressão induz a um juízo de valor negativo.
De acordo com um comunicado publicado no site oficial da CBC, “há um avanço de ações intituladas como 'erro médico' ainda no início do processo judicial, o que impõe ao réu uma culpa antes mesmo de qualquer decisão judicial atestando eventual falha de assistência médico-hospitalar”.
A entidade destaca que o pedido tem como objetivo fazer com que os processos abertos contra médicos e hospitais não sejam rotulados de "erro médico", mas sim como evento adverso em saúde.
“Se por ventura, uma vez julgado, esse processo encontrar um erro médico, aí sim que seja divulgado como tal”, disse o presidente do CBC, Luiz Carlos von Bahten.
Ao receber o pedido da entidade, o ministro Luis Felipe Salomão enviou a demanda para a Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ no fim do mês passado. O pedido segue em análise.
No pedido, a CBC requer “a substituição imediata dessa nomenclatura (erro médico), em medida liminar acautelatória [...] tendo em vista a presunção de preconceito e parcialidade contra a classe médica”.
A advogada especialista em Direito Médico, Marinella Afonso de Almeida, disse ao site Consultor Jurídico (Conjur) que a expressão “erro médico” é usada corriqueiramente em ações judiciais cíveis sem que sejam esclarecidas as circunstâncias das denúncias.
De acordo com a advogada, muitas dessas ações questionam a qualidade da assistência ou estrutura médico-hospitalar e não propriamente a atuação do profissional de saúde, mesmo assim os sistemas dos tribunais qualificam os processos como “erro médico”.
“A terminologia usada para essas ações induz uma interpretação depreciativa, dada sua associação afirmativa de falha, que, em muitos casos, pode não se confirmar”, disse Marinella ao lembrar que a Constituição Federal assegura a presunção de inocência enquanto não houver sentença transitada em julgado.
Alertas
Um levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar da Universidade Federal de Minas Gerais (Iess-UFMG), publicado em 2018 no segundo anuário de Segurança Hospitalar no Brasil, revelou que mais de 54 mil mortes ocorridas em hospitais brasileiros, de abril de 2017 a março de 2018, se deram por erro médico, referido no estudo como Diagnosis Related Groups (DRG) ou Grupo de Diagnósticos Relacionados, em português.
O relatório também afirmou que entre os mais de 19,4 milhões de pacientes que se internaram em hospitais em 2017, cerca de 1,3 milhão de pacientes tiveram “pelo menos um evento adverso relacionado à assistência hospitalar durante seu tratamento”.
Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma campanha de solidariedade a pacientes diante do alarmante número de casos de “erros médicos” registrados. Segundo a organização, até aquele momento, cerca de 2,6 milhões de pacientes morriam por ano vítimas de erro médico.
“Ninguém deve sofrer danos ao receber cuidados de saúde. E, no entanto, pelo menos 5 pacientes morrem a cada minuto no mundo por causa de cuidados não seguros [...] Precisamos de uma cultura de segurança do paciente que promova a parceria com os pacientes, incentive a comunicação e a aprendizagem com os erros e crie um ambiente livre de culpa, onde os profissionais de saúde são capacitados e treinados para reduzir os erros”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, à época.
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Debate
O tema tem sido alvo de intensos debates da classe médica. No mesmo ano em que a OMS lançou a campanha de combate ao “erro médico”, o Conselho Federal de Medicina (CFM) realizou um evento em que foi discutida a diferença entre erro médico e erro de assistência médica.
“Sempre teremos eventos adversos no atendimento em saúde, mas justamente por trabalharmos em um ambiente imprevisível, temos de atuar com todo o cuidado e dentro dos protocolos”, afirmou o coordenador da Câmara Técnica de Segurança do Paciente e conselheiro federal, Jorge Curi, ao durante o II Fórum de Segurança do Paciente promovido pelo CFM.