Decisão de corregedor nacional de Justiça pode qualificar como abuso de autoridade| Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ
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O juiz Wauner Batista Machado, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte, foi afastado do cargo por determinação do corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luis Felipe Salomão, nesta segunda-feira (9). A justificava de Salomão é que as últimas decisões do juiz teriam sido político-partidárias, como o fato de autorizar um empresário a permanecer no acampamento em frente ao Quartel-General de Belo Horizonte, onde manifestantes protestavam contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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Na decisão, o corregedor alegou que Machado estaria adotando “postura contrária às determinações do Supremo Tribunal Federal” com o objetivo de permitir a continuidade das manifestações. Disse ainda que o juiz estaria praticando atos que “favorecem os ataques ao Estado Democrático de Direito”.

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Salomão citou também críticas feitas pelo juiz em veículos de comunicação, como quando disse que o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD) estaria exercendo “a tirania de fazer leis por decretos”.

Sobre a permanência das pessoas em frente ao quartel, o juiz mineiro afirmou, citando a Constituição, que é “de uma nitidez solar que é livre a manifestação do pensamento, em local público, de forma coletiva, sem restrições e censura prévia, respeitadas as vedações previstas, sob a responsabilidade dos indivíduos pelo excesso, é intocável”.

A decisão de Machado que autorizava a manifestação foi cassada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Segundo o ministro, a decisão contrariava o pronunciamento do STF na ADPF 519/DF - que determinava a “desobstrução de todas as vias e locais públicos”. No entanto, não há indícios de que o cidadão estivesse obstruindo o tráfego.

Para o corregedor do CNJ, haveria “urgência no afastamento, inclusive para prevenir novos ilícitos administrativos travestidos de decisões judiciais”. Salomão determinou ainda a suspensão dos perfis do juiz nas redes sociais e instaurou uma reclamação disciplinar em seu desfavor.

Decisão do corregedor pode ser enquadrada na Lei de Abuso de Autoridade

O professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Constitucional e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (SP), Antônio Jorge Pereira Júnior, explicou que as anomalias jurídicas da decisão podem levar o ato do corregedor a ser qualificado como crime, segundo a Lei de Abuso de Autoridade.

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De acordo com ele, a decisão do corregedor é baseada em notícias veiculadas em meio de comunicação. “Com base nisso poderia no máximo instaurar procedimento, mas jamais aplicar medidas como as determinadas, gravíssimas, a ponto de suspender redes sociais de um magistrado e afastá-lo de suas funções”.

A Constituição Federal também não estabelece limites à atividade jurisdicional do magistrado, apontou o especialista. “Quem o faz são leis infraconstitucionais”. E são essas normas que garantem a todos os cidadãos, incluindo os magistrados, os direitos fundamentais.

O art. 1º da Lei de Abuso de Autoridade estabelece que a divergência na interpretação de lei ou avaliação de fatos não configura como abuso de autoridade. Ou seja, a opinião diferente do juiz sobre as manifestações contra Lula (PT) é um ato legal e não político-partidária.

“Não é possível inferir, como afirma a decisão, que o Magistrado teria realizado atos de natureza político-partidária porque sua fundamentação está alicerçada em normas constitucionais”, ressaltou o especialista. Desse modo, o advogado argumenta que o corregedor pode ter incorrido os crimes previstos nos artigos 27 e 30 da Lei de Abuso de Autoridade – requisitar instauração em desfavor de alguém sem indícios de crime e dar início à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada.

“O afastamento de um Magistrado de sua função é muito grave e só pode ser resultado de um procedimento cuidadoso em situação de ilícitos administrativos graves”, destacou. “Jamais pode ser dar por vingança ou imposição de poder de um magistrado em cargo superior que não admite quem, licitamente, avalie a constituição de modo diverso”, complementou.

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O especialista frisou que a falha na fundamentação pode levar a revisão da decisão em instâncias superiores, como o STF. “Para esses casos resta como último recurso apelar para a Corte Interamericana de Justiça, que existe porque mesmo as Cortes Constitucionais podem falhar”, afirmou.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais informou que recebeu a Carta de Ordem, nesta segunda-feira (09), e imediatamente afastou o magistrado da função. O juiz Wauner Batista Machado não foi encontrado para comentar sobre o caso pela reportagem.