Falta de estrutura emperra processo
A história do casal de psicólogos Sandra Mara e José Henrique Volpi mostra como a falta de infraestrutura no Judiciário afeta diretamente crianças que estão nos abrigos e pais que desejam adotar. Em setembro do ano passado eles optaram pela adoção.
Sem resposta
Perguntas que a mobilização do CNJ precisa responder:
Quantas crianças estão em instituições de acolhimento no país?
O levantamento do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos foi concluído em maio, mas nem todos os estados responderam. Por isso, chegou-se a um número subestimado: 14 mil. Uma pesquisa de 2003 apontava a existência de cerca de 80 mil meninos e meninas nessa situação.
Quantas instituições existem? Elas seguem normas legais?
Hoje a maior parte das instituições são organizações não governamentais. Muitas não estão adaptadas a normas legais e sanitárias, por exemplo. Além disso, elas não recebem repasses do poder público e por isso, muitas vezes, o atendimento é precário.
A criança está acolhida há mais de dois anos? Por que?
A Nova Lei de Adoção, em vigor desde novembro de 2009, prevê que crianças e adolescentes não podem ficar mais de 2 anos abrigados. A medida reforça o Estatuto da Criança e do Adolescente, que diz que o acolhimento deve ser medida excepcional. Meninos e meninas também devem ter a situação jurídica avaliada no máximo a cada seis meses. A mobilização do CNJ deverá checar se a lei está sendo cumprida e se não estiver, qual o motivo.
O Conselho Nacional de Justiça iniciou ontem uma mobilização nacional para revisar a situação jurídica de crianças e adolescentes que vivem em instituições de acolhimento. A iniciativa tem o objetivo de tirar de um "limbo legal" meninos e meninas abrigados que não podem voltar para a família e nem ser encaminhados à adoção. A ação também ajudará a preencher uma lacuna: o número real de crianças nessa situação. Dados de 2003 apontavam a existência de 80 mil, mas um levantamento feito neste ano pelo CNJ mostrou apenas 14 mil. Para o próprio CNJ e para especialistas, o número atual está subestimado.
O abrigamento de crianças ocorre quando há uma violação de direito, como, por exemplo, o trabalho infantil. Mas o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que essa deve ser uma medida usada somente em último caso e deve ser temporária, já que todos têm o direito de crescer em uma família. O problema é que a Justiça frequentemente "esquecia" as crianças nas instituições. Com isso, elas ficavam sem o convívio com os pais e sem a chance da adoção.
Essa distorção fez que com que das 80 mil crianças abrigadas, apenas 5 mil estejam hoje no Cadastro Nacional de Adoção. Ano passado, a Nova Lei de Adoção acabou com o "esquecimento" das crianças em abrigos, estabelecendo que dois anos é o tempo máximo para o acolhimento. Além disso, a Justiça tem de avaliar a situação jurídica das crianças no máximo a cada seis meses.
A discrepância entre os dados do CNJ e da pesquisa de 2003, realizada pelo Ipea, ocorre porque nem todas as comarcas responderam à solicitação do conselho. No Paraná, por exemplo, o número de 2010 mostra 464 crianças acolhidas em todo o estado, quando somente as varas da infância e juventude da capital estimam existir mil.
A Corregedoria do CNJ espera que o mutirão ajude a mapear todos esses problemas. Durante três meses, juízes, promotores, defensores públicos, familiares, crianças e dirigentes de abrigos participarão de audiências, que poderão ser realizadas inclusive nas instituições.
O juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Nicolau Lupianhes, diz que eles esperam diminuir a lentidão da Justiça e o tempo de permanência nas instituições. "Por outro lado, reconhecemos que ainda há carência de equipes interdisciplinares e varas especializadas. O CNJ tem cobrado os tribunais e editado diversas resoluções."
Críticas
O vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ariel de Castro Alves, afirma que a área social não pode ser alvo só de mutirões. "O que a infância precisa é de mais infraestrutura no Judiciário. Caso contrário, as crianças vão ficar aguardando cinco anos em abrigos pelo próximo mutirão."
Alves também diz que o número levantado pelo CNJ está defasado. "Não houve nenhuma política para retirar as crianças das instituições. Gostaríamos que fosse diferente." Ele cita, por exemplo, que as famílias dos meninos e meninas deveriam ter prioridade nas políticas governamentais, como o programa Minha Casa, Minha Vida.
Para a advogada Márcia Caldas, a medida do CNJ vem tarde, mas é bem-vinda. "O Judiciário tem uma responsabilidade grande quando retira uma criança de sua família. Ela precisa ficar em uma situação melhor, mas às vezes não é essa a realidade. Hoje ocorre uma nova violência. Estamos diante de uma situação beirando o caos."
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