O CNS (Conselho Nacional de Saúde) chamou atenção nos últimos dias ao aprovar uma resolução em que defende, dentre outras coisas, a legalização do aborto e a da maconha no Brasil. Porém, outro trecho da resolução teve menos holofotes. O mesmo documento que critica o governo anterior por desrespeitar a ciência recomenda que terreiros de umbanda sejam integrados ao SUS (Sistema Único de Saúde).
A resolução 715 pede ao Ministério da Saúde que reconheça "as manifestações da cultura popular dos povos tradicionais de matriz africana e as Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana (...) como equipamentos promotores de saúde e cura complementares do SUS". O documento cita especificamente "terreiros, terreiras, barracões, casas de religião, etc."
Embora a resolução não explicite de forma clara, o mais provável é que a incorporação desses tratamentos ao Sistema Único de Saúde se desse por meio do programa de práticas integrativas que hoje também já abarcam métodos e terapias considerados alternativos.
Segundo o Ministério da Saúde, as PICs (Práticas Integrativas e Complementares) são "tratamentos que utilizam recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais, voltados para prevenir diversas doenças como depressão e hipertensão." A política de oferecer tratamentos não convencionais existe desde 2006, no primeiro mandato do presidente Lula.
Hoje, o SUS reconhece 29 procedimentos nessa categoria, incluindo acupuntura, yoga e homeopatia. A eficácia dos métodos varia, mas geralmente a inclusão desses métodos na lista do SUS tem a ver com os benefícios relatados por pacientes ao longo do tempo.
Já no caso das religiões afro-brasileiras, o CNS parece ter agido por uma motivação diferente: em vez de apresentar os ganhos à saúde pública que viriam com a inclusão dessas práticas no rol do SUS, o texto fala em "respeitar as complexidades inerentes às culturas e povos tradicionais de matriz africana."
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Ação política
Para o médico infectologista Francisco Cardoso, é pouco provável que o CNS tenha sucesso em seu pedido sobre as religiões de origem africana. Ainda assim, na visão dele, o conteúdo da resolução demonstra uma politização do órgão que, em tese, deve se dedicar à melhoria da saúde pública no Brasil. "O CNS sempre fez política usando a saúde como tema", critica ele, que já presidiu a Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais.
Cardoso explica também que, se atendido, o pedido dos órgãos que integram o CNS não resultaria necessariamente no repasse de recursos federais a terreiros de umbanda (pelas normas das PICs, estados e municípios poderiam fazê-lo). Ainda assim, a legitimação de práticas que estão longe de ter uma comprovação científica tem pelo menos dois problemas.
Em primeiro lugar, ela torna mais provável que pacientes optem por tratamentos ineficientes em vez dos procedimentos referendados pelas evidências científicas.
Em segundo lugar, ela reduz a credibilidade do próprio sistema de saúde ao colocar agendas ideológicas acima do seu objetivo principal. "É mais uma pauta progressista para desconfigurar a sociedade brasileira", diz Cardoso.
Conferência de esquerda
A resolução do CNS é resultado da mais recente Conferência Nacional de Saúde, que reuniu profissionais da área, sindicatos e outras organizações da sociedade civil — com uma participação desproporcional de grupos de esquerda. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou no encerramento do encontro, no começo de julho.
A resolução foi aprovada pelo CNS em 20 de julho, e traz sugestões para o Plano Plurianual e o Plano Nacional de Saúde de 2024 a 2027. O Ministério da Saúde é responsável pela elaboração do documento, e tem autonomia para rejeitar as sugestões.
Na Câmara dos Deputados já existem pelo menos 11 projetos que tentam suspender os efeitos da Resolução 715 ou de trechos dela. Todos afirmam que o CNS extrapolou as suas atribuições ao publicar o documento.
De acordo com o Censo de 2010, 0,3% dos brasileiros seguem alguma religião de origem africana.
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