Giorgia Miazzo Cavinato era a única de sua turma de escola na pequena Carmignano di Brenta, perto de Pádua, no Vêneto, que dominava com certa velocidade o italiano oficial. Desejo da mãe, já que esse ensino era visto como diferencial na educação das crianças. O dialeto vêneto, dos locais, não tinha bênção. Giorgia sofreu nas mãos dos amigos. Diziam que ela “se achava” e que não sei o quê. Hoje, a pesquisadora, linguista, jornalista e tradutora trabalha para resgatar a língua que não pôde falar na infância. O Brasil não poderia deixar de estar em sua rota, uma vez que 12 dos 30 milhões de imigrantes italianos que vieram para o país deixaram histórias no Vêneto.
Ela trabalhava na Câmara de Comércio da República Dominicana quando a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) lhe propôs um curso de italiano. Pisou nessas terras, conheceu a gente da sua gente e se deslumbrou na mesma reação de Salvatore, o menino de “Cinema Paradiso” que se encanta com o que vê. “Foi como pisar em casa”, afirma num português quase nativo, experimentado durante dez anos de pesquisa na ponte aérea Brasil-Itália.
Seus estudos envolveram quatro universidades - Ca’ Foscari de Veneza (Itália), UFSC, Universidade de Londrina (UEL) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) – e resultaram na publicação de cinco livros sobre a imigração vêneta para o Brasil. Todos eles são baseados nas tradições culturais daqui e de lá. Ela quer essa voz no púlpito.
Por esses dias, Giorgia tem visitado descendentes de imigrantes em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba. A pesquisadora está fazendo um levantamento de expressões e palavras da região que fala “quase 100% do vêneto original”. “A língua se cristalizou em Colombo”, explica. “A cultura do vêneto no Rio Grande do Sul (onde também realizou pesquisas) se misturou um pouco mais. A região de São Paulo recebeu os dialetos do Sul. Em Colombo, a língua se fortaleceu pelo isolamento”.
Dadas as particularidades da Unificação Italiana, Colombo convive com outra característica importada. “O povo de Vêneto não se sente italiano, não temos ‘valores italianos’. Nós pertencemos a Vêneto. Muitos dos imigrantes que vieram para o Brasil se ‘descobriram italianos’ aqui”.
Segundo dados de 2008 da comunidade colombense, são de 20 a 30 mil descendentes na região, dos quais 5 mil entendem e se comunicam em vêneto. O Rio Grande do Sul registra variações diferentes do dialeto, mais para o talian (o vêneto brasileiro).
A pesquisa de Giorgia é ainda uma ponte, dada as inconsistências da história da imigração também na Itália. “Os italianos não conhecem a imigração. O italiano médio acha que o Brasil termina no Rio, que aqui se fala espanhol, tem índios, meninas e futebol. Até 1975, não tínhamos sequer uma página sobre isso nos cadernos escolares”, explica. No Brasil, o talian virou patrimônio imaterial em 2014.
Segundo a linguista, os descendentes têm muito orgulho do vêneto/talian, apesar do arrependimento de alguns em não passar a língua em diante, dadas as proibições do Estado Novo (1937–1945) e as dificuldades enfrentadas pelos filhos nas escolas brasileiras. Além disso, essa é uma tradição oral, que pode se perder com as nonas se pessoas como a Giorgia não se dedicarem a ouvir o que a tradição tem a dizer.
Tradição e história
Diair Lídia Milani, 65 anos, é uma das descendentes dos povos do Vêneto que ainda parla a língua herdada da avó imigrante. A ‘nona’ dela chegou com apenas 9 anos no Brasil, provavelmente vinda de Morretes, no Litoral, onde pisaram em terra firme os imigrantes que em seguida subiram a serra em direção a Colombo. Católica, ela comanda as orações em italiano na tradicional missa da Festa da Uva e também nos festejos da Semana Italiana. Toda a celebração é rezada em vêneto, como nos tempos idos.
Diair passou boa parte da memória para os filhos, mas isso não se estendeu aos netos. Em casa, sem a presença dos pequenos, a língua oficial é o vêneto.
A data oficial da imigração vêneta para o país é 26 de junho de 1875. O primeiro navio saiu de Gênova com 380 famílias, principalmente do Vêneto e do Trentino. Elas desembarcaram em terra firme no Espírito Santo. A primeira onda durou até 1920. As famílias de Vêneto foram as desbravadoras italianas no Brasil - as do Sul saíram da Itália depois de 1910, quando parte das colônias já estava construída.
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