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A arte nos túmulos

Virtudes teologais no Cemitério Ordem Terceira do Carmo, no  RJ | Arquivo pessoal/Clarissa Grassi
Virtudes teologais no Cemitério Ordem Terceira do Carmo, no RJ (Foto: Arquivo pessoal/Clarissa Grassi)

O século XIX representou um período de muitas mudanças na visão da morte e do morrer. A consolidação do discurso higienista, que pregava medidas de saúde pública como parte de um processo civilizador, trouxe a preocupação em erradicar as constantes epidemias que assolavam as cidades. Munido do saber médico, o Estado tomou as rédeas e iniciou uma série de medidas para a medicalização da sociedade.

O sepultamento nas igrejas era visto como o principal causador de focos de contaminação. O cadáver e seu processo de decomposição deveriam ser afastados dos vivos; a saída encontrada foi a proibição dos enterros nos templos religiosos e a criação dos cemitérios extramuros. Essa transição do solo sagrado para os terrenos afastados das cidades motivou o que estudiosos da morte como Philippe Ariès e Michel Vovelle chamaram de “a morte burguesa”, que marca o período do final do século XIX e início do XX.

Famílias abastadas procuraram na arte tumular elementos que individualizassem seus entes queridos, negassem a morte e demonstrassem poder – o que fez dos cemitérios uma extensão simbólica do templo religioso. Assim, as necrópoles passaram a receber inúmeras construções repletas de símbolos religiosos que reiteravam o discurso da ressurreição sobre a morte, competindo em suntuosidade e elaboração.

Entalhados pelas mãos de marmoristas italianos, mestres que trouxeram ao Brasil sua arte e técnica com a pedra, os túmulos eram repletos de esculturas que conferiam às novas necrópoles ares suntuosos. Dentre as temáticas mais usuais figuravam passagens bíblicas, anjos e alegorias. A Rua D’Ajuda, no Rio de Janeiro, era o local que congregava grande parte das oficinas desses marmoristas.

Munidos de catálogos trazidos da Itália, os imigrantes ofereciam às famílias proprietárias de jazigos a oportunidade de decorar seus túmulos com a mesma arte presente em cemitérios europeus. Em função dessa produção escultórica ser realizada de maneira escalonada e a partir de modelos já existentes, essas obras nunca ganharam o status de arte. Elas foram consideradas trabalho de artesãos e não de artistas.

Ainda que à margem do campo artístico, essas representações povoaram cemitérios de todo o mundo, fazendo com que a arte tumular encontrada no Brasil seja extremamente semelhante à praticada na Itália, Espanha, Portugal, França e Alemanha. Uma das representações mais frequentes no nosso país é o conjunto das virtudes teologais: fé, esperança e caridade.

Definidas como “hábito ou qualidade permanente da alma que lhe dá inclinação, facilidade e prontidão para conhecer e praticar o bem e evitar o mal”, as virtudes teologais são atribuídas no batismo. Devem ser cultivadas e exercidas ao longo da trajetória do cristão como forma de aproximação de Deus. Representadas de forma unitária ou em conjunto, passam despercebidas, mas, depois de identificadas, se mostram presentes em gradis, esculturas de alegorias ou anjos e também em relevos.

Os atributos iconográficos são simples: a fé aparece transmutada no conjunto da cruz e do livro, lembrando a morte de Cristo e os ensinamentos da Bíblia. A esperança é a âncora que, uma vez lançada, dá segurança e constância para enfrentar as adversidades do mar da vida. Já a caridade é a mulher que traz consigo uma ou mais crianças e as interpela entregando o pão ou uma moeda. Resilientes graças à dureza do mármore, guardam o discurso monumentalizado pelo cinzel a partir dos modismos europeus.

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