A matéria "Brasil não melhora alfabetização" (Gazeta do Povo, 11 de agosto) trouxe-nos a boa notícia de que houve uma redução do analfabetismo em nosso país, embora não tenha evitado que uma parcela de 70% da população ainda apresente dificuldade para ler. O texto, assinado pela jornalista Paola Carriel, é rico em detalhes, e o leitor que ainda não o leu ganharia muito se o fizesse. Nesta coluna, faço algumas considerações, motivado por uma excelente observação da professora da Universidade Federal de Minas Maria da Conceição Fonseca. Para ser justo, todas as ponderações feitas pela pesquisadora merecem reflexão, mas fico apenas com esta: "Muitas pessoas já têm projeto de vida sem alfabetização".
Embora não descaracterize e nem mesmo relativize o desejo que nós, letrados, temos de que todos os brasileiros possam ler e escrever com desenvoltura, a fala da professora evidencia um aspecto muitas vezes ignorado quando tratamos do assunto alfabetização. Não é raro que, ao se abordar o tema, o analfabeto seja destacado como um sujeito inferior, alguém incapaz de agir em uma sociedade complexa como a nossa. Fala-se, por exemplo, em "erradicar" o analfabetismo. A semântica desse verbo (arrancar pela raiz, extirpar) muitas vezes leva pessoas sérias a cometer o imperdoável equívoco de confundir a falta de uma importante habilidade (ler e escrever) com incapacidade de ser um ser humano decente e capaz de se destacar em tarefas que não exigem o conhecimento da língua escrita. E há inúmeras.
A superação do analfabetismo deve continuar a ser uma meta, ou melhor, uma obsessão. Nesse percurso, porém, é de extrema importância que os analfabetos sejam reconhecidos na sua imensa capacidade de ação, não obstante o fato de o Estado ter-lhes usurpado um direito que durante séculos foi de poucos: o acesso à educação formal.