Semanas atrás, dei uma aula sobre leitura e produção de texto para uma turma de pós-graduação. Uma das discussões mais produtivas foi sobre a simplicidade que marca a produção de alguns autores. O assunto veio à tona após a leitura de O último poema, do poeta Manuel Bandeira, cujo primeiro verso é "Assim eu quereria o meu último poema" e cujo último é "A paixão dos suicidas que se matam sem explicação".
Mais do que esse, muitos outros poemas de Bandeira são tão prosaicos que parece que qualquer um de nós poderia ter escrito. A primeira sensação que temos após a leitura é: "Nossa, que coisa fácil de fazer". Pelo menos essa é a impressão que tenho todas as vezes que leio esse poeta.
Entretanto, a aparente simplicidade que caracteriza a produção de Bandeira (e, no meu ponto de vista, bem mais a de Mário Quintana) revela uma sofisticação difícil de ser alcançada. Afinal, escrever difícil é fácil. Mas o contrário requer um esforço que só percebemos de verdade quando nos propomos a escrever.
Eu, por exemplo, tenho muito mais prática para ver o erro alheio. Tenho uma facilidade medonha em notar um texto truncado. Mas recorrentemente faço tudo aquilo que condeno nos outros. Afora outras impropriedades, já cheguei a atravessar vírgula entre sujeito e verbo em uma coluna. Se for verdadeiro o ensinamento de um professor que tive no ginásio, tenho pelo menos 500 anos de purgatório pela frente. Mas desconfio que se trata de um ponto de vista muito radical sobre a escrita e o pós-morte.
Na falta de engenho e arte, o jeito é seguir a lição dos mestres: cortar, cortar, refazer, refazer. Ou em termos mais atuais: deletar e deletar. No mais, um mundo cheio de Bandeiras e de Quintanas seria um tédio. Então, um pouco de clareza já é uma meta e tanto a ser alcançada.
Adilson Alves é professor
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